O país está num rebuliço com a greve dos motoristas de matérias perigosas e não foi preciso muito para que os açambarcamentos de combustível roubassem lugar ao abastecimento normal e regular. Revela-se, de forma bastante preocupante, o impacto que a comunicação social tem sobre o comportamento da população, uma vez que, ainda sem a greve em vigor, se gerou algum nervosismo no momento de abastecer os automóveis. Não será caso para tanto, o país não deixará de o ser, nem durante nem depois da paralisação destes motoristas.
A retórica, cada vez mais inflamada por todas as partes, onde se inclui o Governo, só tem contribuído para uma avalanche de letras gordas e manchetes que sublinham todos os aspectos desta mobilização, com a excepção das razões que levam estes trabalhadores a parar. Fala-se de muita coisa, considera-se sobre vários aspectos e floreados, mas não se vislumbra uma análise séria e concreta das condições em que estes trabalhadores operam. Têm razão para se queixar? Mas há algum trabalhador deste país que não tenha motivos para se indignar? Os salários em Portugal são baixos, muitas vezes abaixo daquilo que se poderá considerar como o imprescindível para uma vida digna. Não faltarão, certamente, motivos para os motoristas protestarem.
Não obstante, nestes últimos dias têm surgido afirmações e vontades que vão passando pelos pingos da chuva, sendo certo que muitas dessas vontades são bem mais graves e susceptíveis de causar prejuízos irreparáveis ao país do que a greve dos motoristas. Concorde-se, ou não, com esta forma de luta, nestas circunstâncias e neste contexto, não podemos olvidar um facto essencial: se os trabalhadores decidiram fazer greve, estão no seu completo direito. Admito que esta greve possa não resultar no benefício dos próprios trabalhadores e que possa vir a ser instrumentalizada pelas forças reaccionárias que, sob este pretexto, já se disponibilizaram para alterar a lei da greve e a lei que regula os serviços mínimos. Pode incomodar, mas na lei da greve não se mexe.
Uma das maiores conquistas de Abril foi o direito à greve. Este direito, constitucionalmente consagrado, não é só um dos direitos essenciais que assistem aos trabalhadores para contrabalançar o equilíbrio do poder, como é uma das mais bonitas formas de luta. Não esqueçamos que todo e qualquer trabalhador que decida fazer greve perde do seu salário para alcançar uma conquista colectiva.
O CDS veio muito rapidamente dizer ao país que é necessária uma alteração à lei da greve. Mas a que propósito? Nunca, durante 40 anos de democracia em Portugal, a greve resultou em algo diferente do que a melhoria das condições de vida dos mais variados sectores profissionais.
Poderiam os motoristas estudar outras formas para conquistarem o que é seu? Sim, mas decidiram fazer greve e contra isso ninguém se pode posicionar. A própria pergunta “É a favor desta greve?”, reiterada vezes sem conta nas filas das gasolineiras, é despropositada porque, em relação à greve, não se tem de ser a favor ou contra: é um direito.
Com tudo isto, é importante que nos mantenhamos vigilantes, para que não venham uns de mansinho tentar boicotar um direito conquistado pelo qual muitos portugueses deram a vida.