A directora da Casa de Portugal na Cidade Universitária Internacional de Paris é também a representante das 42 casas que existem neste campus único onde vivem pessoas de todas as nacionalidades e cujo lema é “paz e harmonia entre os povos”.
O telemóvel de Ana Paixão, professora universitária na Universidade Paris VIII e directora da Casa de Portugal na Cidade Universitária Internacional de Paris, nunca pára de tocar. Se já era assim desde 2010, quando assumiu as rédeas da casa dedicada aos estudantes portugueses, só se agravou em 2017 quando esta portuguesa se tornou a representante de todos os directores das 42 casas que existem neste campus.
“Traz a responsabilidade acrescida de ser não só a porta-voz dos directores, mas também dos próprios residentes porque implica estar em contacto permanente com as pessoas e com os problemas, assim como [procurar] formas de melhorar a própria Cidade Universitária”, disse Ana Paixão em entrevista à Lusa.
A Cidade Universitária Internacional de Paris foi imaginada por André Honnorat, ministro da Educação francês entre as duas Grandes Guerras, como um lugar em que estudantes de todo o mundo que acorriam a Paris travariam amizade, partilhariam culturas e construiriam a paz do futuro. “É um projecto utópico de paz e harmonia entre os povos”, sublinhou a directora.
Este campus é um espaço residencial, onde os estudantes ficam alojados e que se foi expandido, ora recorrendo a mecenas, ora por interesse dos países desde 1925. Conta actualmente com 42 casas de países de todo o globo, como Índia, Japão, México ou Espanha, incluindo a Casa de Portugal André de Gouveia — erudito português que dirigiu a Universidade de Paris no século XVI —, e acolhe cerca de 12 mil alunos por ano.
A Casa de Portugal André de Gouveia foi construída nos anos 1960, por iniciativa de Azeredo Perdigão, então director da Fundação Calouste Gulbenkian e a casa continua a ser administrada, em parte, pela fundação portuguesa sem qualquer intervenção do Estado português.
Ana Paixão conheceu o campus com apenas 12 anos, quando acompanhou a mãe, professora de Francês, num estágio linguístico e apaixonou-se por Paris. “Fiquei muito surpreendida com a Cidade Universitária, mas fiquei mais fascinada ainda com a cidade em si. Percebi que era uma coisa única, mas toda a cidade era única. Havia uma interculturalidade que era algo que não existia em Portugal nos anos 80”, explicou.
Todos os anos, alunos de todo o mundo que vão estudar para Paris tentam ter um lugar na Cidade Universitária de Paris, não só por esta praticar preços mais baixos no que os alugueres convencionais em Paris, mas por todas as comodidades dentro do campus, como ginásio, teatro ou cantina. Mas nem todas as candidaturas são aceites.
Quando regressou a França para começar a dar aulas de português e língua portuguesa na Universidade Paris III no início dos anos 2000, Ana Paixão tentou voltar à Cidade Universitária para viver, mas viu a sua candidatura recusada.
Agora que a escolha dos candidatos para viver na Casa de Portugal passa por ela, explica que há um perfil preferencial partilhado pelas diversas casas. “É um perfil pós-licenciatura, média de idades é 25 anos e tentamos também ter um critério social”, indicou Ana Paixão, referindo que o âmbito de estudos a realizar é largo e vai desde artistas a estudantes de Medicina.
Pela Casa de Portugal já passaram figuras como o violoncelista Paulo Gaio Lima, a artista Isabel Pavão, o comissário europeu Carlos Moedas ou a cientista Odette Ferreira. A Casa de Portugal conta com 180 vagas, sendo que dois terços, normalmente, são ocupados por alunos portugueses ou de países lusófonos - o Brasil também tem uma casa neste campus.
Mas se gerir uma casa de estudantes já é complexo, ajudar a gerir 42 agrava as situações inesperadas. “Os comportamentos e visões sobre o mundo são bastante diferentes. Por exemplo, é preciso gerir às vezes residentes indianos que estão habituados a um sistemas de castas, se apaixonam em Paris e isso transforma a sua lógica cultural. O director também está cá para ajudar nesses casos, ou quando há papéis perdidos ou vistos para fazer”, refere Ana Paixão, referindo um “choque cultural”.
Com a perspectiva de coordenar tantas nacionalidades diferentes, a directora da Casa de Portugal está convencida que há algo diferente na interacção dos portugueses com outras nacionalidades.
“Sendo um país com uma diáspora enorme, temos a experiência do contacto com o outro. Aquilo que eu noto bastante é a experiência da tolerância em relação às outras culturas, coisa que nem sempre encontramos. As situações de conflito entre alguns residentes acontece com frequência nalgumas casa, na Casa de Portugal também temos, mas eu diria que em menor percentagem”, sublinhou.
A Casa de Portugal é também um pólo da cultura portuguesa em Paris com celebrações de datas importantes como o 25 de Abril , concertos ou conferências. Um trabalho que Ana Paixão leva a cabo desde 2010. “Colar esses dois mundos [académico e da comunidade portuguesa] não é algo adquirido. Tem de ser uma procura permanente. A estratégia começou por chamar as crianças que estão a aprender português e vieram também os pais e os avós e foi assim que progressivamente começou a aproximação à comunidade. Também fazendo parcerias com imensas associações e abrindo o nosso espaço”, revelou a directora.
Foi a comunidade portuguesa que ajudou a renovar há poucos anos, através do mecenato, as salas Fernando Pessoa e Vieira da Silva que servem para acolher espectáculos e exposições.
Agora a Casa de Portugal está prestes a viver uma nova fase. Com a mudança da delegação da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris de instalações, a biblioteca, uma das maiores de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil, vai passar para a Casa de Portugal, acrescentando 300 metros quadrados de salas de arquivo e reconversão de um dos espaços de 200 metros quadrados para sala de leitura. Uma “sorte”, segundo referiu Ana Paixão.
Para além destas incumbências, a directora da Casa de Portugal está ainda à frente do projecto “Mulheres do Mundo” que visa sensibilizar todas as residentes para “os direitos que têm em França, porque muitas vêm de países muito diversificados e não têm essa noção”. “Percebi que são as mulheres que têm a maior mudança na vida quando chegam a Paris”, indicou a directora.
O trabalho de Ana Paixão, nas suas diversas frentes, foi reconhecido no final do ano passado quando recebeu na Embaixada de Portugal em França o Grau de Comendador por ser “uma figura incontornável da cultura portuguesa em França”.