Portugal admite atirar 700 milhões ao lixo… para o valorizar

O país vai finalmente apostar a sério no aproveitamento dos resíduos biodegradáveis, que concentram mais de metade do investimento previsto para o sector nos próximos anos.

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O "lixo" vai ter de deixar de ser visto como tal. É um recurso, e vale dinheiro. Freepik

O destino dado ao lixo que produzimos lá em casa vai mudar substancialmente nos próximos anos. Em ritmos e em condições diferentes, conforme habitem em zonas mais ou menos urbanizadas, os portugueses vão ter de aprender a separar melhor e, principalmente, a deixar de olhar apenas para as embalagens de plástico, cartão e vidro. Os nossos resíduos orgânicos, habitualmente depositados no meio do chamado “lixo indiferenciado” têm um potencial de valorização enorme e, dos 700 milhões de euros de investimentos previstos para este sector, nos próximos anos, mais de 400 milhões serão usados para captar esse potencial, reduzindo a uma fracção mínima o que vai para aterro.

Portugal está obrigado, pela legislação europeia, a reduzir a quantidade de resíduos urbanos depositados em aterro, que não poderão ser mais de 10% do total em 2035: Esse é também o ano limite para atingirmos uma taxa de 65% de reciclagem, calculada sobre todos os RU produzidos. O esforço pedido a cidadãos e empresas do sector é enorme. Como notavam os ambientalistas da Zero, num comunicado a propósito da revisão do Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos, o PERSU 2020+, “em 15 anos teremos que quase triplicar os resíduos urbanos efectivamente reciclados, quando demorámos cerca de 20 anos para atingir os 22% actuais.

Condicionado por um conflito legal que durante dois anos congelou os apoios europeus a esta área, o país investiu entre 2012 e o final de 2018 cerca de 320 milhões de euros, uma parte dos quais foi já direccionado para a valorização da fracção orgânica. Num momento em que, na Europa e em Portugal a Economia Circular entrou na agenda - obrigando a que a maior parte possível deste nosso “lixo” seja olhado como um recurso a reintroduzir no circuito económico - separar os designados Resíduos Urbanos Biodegradáveis (RUB), retirando-os daquilo a que chamamos o lixo indiferenciado, tem múltiplos impactos positivos.

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Portugal tem de reduzir os resíduos urbanos depositados em aterro. E isso significa reciclar muito melhor Paulo Pimenta

Como assinala Carmen Lima, da Quercus, neste momento, os RUB são uma fonte de contaminação de plásticos, papel e cartão, diminuindo os totais efectivamente reciclados deste tipo de embalagens. Têm sido também apontados como a causa da fraca qualidade (por excesso de humidade), do combustível derivado de resíduos que algumas indústrias, como as cimenteiras, estão a comprar fora do país. E, mais do que isso, dizem as estatísticas, são a principal fracção das 2,9 milhões de toneladas de lixo (57,4% do total) que em 2017 ainda foram parar a um aterro. 

Por isso, e desviados, do plano de investimentos que acompanha esta revisão do PERSU 2020, os 200 milhões que na sua versão inicial estavam alocados ao reforço da capacidade de incineração de resíduos, o Governo aposta forte, em termos estratégicos, na valorização desta fracção que abrange, por exemplo, os restos da nossa comida. O PERSU 2020+ aponta para estimativas de investimento de 477,5 a 700 milhões de euros no sector, boa parte dos quais até 2023, ano em que as metas europeias voltam a apertar face às actuais. Atendo-nos ao valor máximo, para os bioresíduos estão previstos até 270 milhões só para garantir a respectiva recolha selectiva, a que acrescem 90 milhões para o respectivo tratamento, por compostagem ou por digestão anaeróbia.

Esta mesma área tem previstos investimentos até 15 milhões de euros para apoio a projectos de compostagem caseira ou comunitária que ajudam a retirar resíduos do circuito dos sistemas de gestão e, por isso, entram no campo da prevenção. Os ambientalistas da Zero e da Quercus - que pediam, ambos, um reforço ainda maior de medidas de prevenção de resíduos - consideram que, no caso dos RUB, esta é uma aposta válida, tendo em conta que minimiza a logística associada ao tratamento de pelo menos uma parte destes desperdícios. 

Para além disso, o Governo prevê que possam ser investidos até 50 milhões de euros na adaptação das actuais linhas de tratamento mecânico e biológico (mecanismos de triagem em fábrica), para recepção dos biorresíduos provindos da recolha selectiva. E ainda põe 2 milhões para apoiar a colocação de composto no mercado e as empresas que recorrem à digestão anaeróbia - um método que produz menos composto, no final, mas que serve a produção de biogás - deverão ter acesso a uma parte dos 12 milhões alocados à valorização energética de resíduos. 

Ou seja, nos máximos de investimento previsto, só os biorresíduos levam bem mais do que 425 milhões de euros, dos 700 elencados no PERSU 2020+, o que é já de si um sinal forte de “uma mudança de paradigma”, como admite Rui Berkemeier, que nos últimos anos vinha sendo uma voz crítica da possibilidade de se acrescentar capacidade de incineração ao país, que consegue, nas unidades existentes, queimar até 1,14 milhões de toneladas ano. Como está, e apesar de reparos em vários aspectos, o plano mereceu aplauso por parte dos ambientalistas que acompanham estas questões.