Viver de videojogos? Zorlak transmite “dez horas diárias, seis dias por semana”

A realidade milionária de videojogos dos EUA ainda é um “mundo à parte” para os jogadores portugueses. Zorlak, Xaky e Dr. Boom contam porque é que ser streamer ainda é a única via para se tornar auto-suficiente nos videojogos em Portugal.

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Um dos "streams" de Zorlak, há quase 20 anos ligado aos videojogos DR Zorlak

Motor de investimentos de milhões de euros a partir dos Estados Unidos da América, os videojogos têm ainda pouca expressão em Portugal. Para alguém se tornar auto-suficiente nesta área, ser jogador não chega — a opção passa por ser streamer.

Jogar videojogos em Portugal vai continuar a ser, nos próximos anos, um projecto de carácter mais lúdico do que competitivo, tudo porque o investimento, os prémios e as parcerias continuam a ficar aquém do que se encontra, por exemplo, em Espanha.

Três apaixonados pelos videojogos relataram à agência Lusa a sua experiência num mundo em que ser bom gera receitas para o grupo e não tanto para o indivíduo, razão pela qual “ter olho”, autocrítica e, sobretudo, sentido de oportunidade pode fazer a diferença.

Aos 32 anos, Ricardo Sousa — conhecido como “Zorlak” — fez valer os quase 20 anos ligados aos videojogos para se tornar streamer, aplicando os seus conhecimentos sobre o jogo Counter Strike num “projecto pioneiro a nível mundial” a partir da plataforma Twitch, destinada à transmissão de videojogos.

Do seu videojogo de eleição, de combate e de estratégia, Zorlak criou um stream onde “durante dez horas diárias, seis dias por semana”, ensina os seus cerca de 90 mil seguidores a jogar (“10% deles são brasileiros”). “O conteúdo da minha stream é único a nível mundial, pois é didáctico”, frisa o especialista de Odivelas, em Lisboa.

Recuando quatro anos, Zorlak lembra que no seu primeiro ano como streamer fez “apenas 160 euros”, um cenário que diz ser hoje substancialmente diferente, apesar de não mencionar números. “O que ganhei já deu para pagar a entrada para a minha casa, para a mobilar, comprar o carro e tratar de um problema de saúde dispendioso. A aposta deu-me a volta à vida, sendo que irei ser pai em Setembro”, conta Ricardo Sousa.

A dedicação a este nível obrigou-o a gozar apenas “uma semana de férias nos últimos quatro anos”, mas a compensação chegou-lhe pintada com outros números: “Todos os anos estou no top 10 mundial de mais horas com a stream ligada.”

A realidade é diferente em termos de competição. A inexistência de torneios que não sejam para equipas faz com que os prémios sejam sempre a dividir pelo grupo. Mais: em Portugal, são os clubes que sustentam as despesas de deslocação e de estadia nos grandes torneios no estrangeiro.

For the win

Aos 21 anos, Marcos Letras — “Xaky” —, jogador de League of Legends, outro videojogo de estratégia, vai no seu terceiro ano de competição, depois de seis de carácter mais lúdico.

Dividindo o tempo entre a frequência da licenciatura no Instituto Politécnico de Setúbal e os videojogos, joga “às segundas e terças-feiras”, mas também em eventos como a Comic Con ou a Iberanime, em que podem ser seguidos, ao vivo, a partir de um ecrã gigante.

As horas que dedica ao jogo variam conforme as exigências da faculdade, mas procura estar online entre “as três horas e o dia todo”, fazendo pausas ao fim de semana, descreve o jogador de Lisboa.

Membro do clube For The Win (FTW) nas competições de e-sports, Xaky tem no seu palmarés “vitórias nas ligas principais, nacionais e europeias”, mas isso não se traduz em “grandes ganhos” porque, explica, “os prémios são sempre a dividir pela equipa”. “Esta vida pode durar três, quatro ou cinco anos, razão pelo qual é preciso ter um plano alternativo, daí a licenciatura”, argumenta.

Ponto importante neste projecto é a projecção do jogo e o grupo de seguidores que cada jogador tem, salienta Nuno Ferreira, “Dr. Boom”, de 24 anos, que joga há cinco anos o Hearthstone, um jogo de cartas online.

Também aqui a via do profissionalismo foi cedo afastada, explica o estudante de mestrado em Psicologia do Porto, cuja aposta na competição se baseou na possibilidade de “poder conhecer o mundo”. “O meu videojogo ainda é recente e os prémios ainda não são apelativos”, acrescenta, explicando que o jogo tem apenas cinco anos de existência e “pouca expressão em termos de seguidores”.

A realidade milionária que emana do EUA prova ser um “mundo à parte” para os portugueses que jogam num país onde se “regista um atraso em relação a Espanha de cerca de quatro ou cinco anos”.