Para uma história universal dos deslocados
Miró da Muribeca é o nome de um poeta alegrista. Quem o conhece sabe que isso quer dizer. Faz poesia na rua, próxima da crónica social. Satírica, mordaz, às vezes triste, com raiva. Miró vive no Recife e é um poeta, “um preto filho de analfabetos”, como diz, que não cumpriu o sonho da bola, mas descobriu a arte com Carlos Drummond de Andrade. Solitário, sem casa, é um deslocado como os protagonistas de Vidas Secas, romance do alagoense Graciliano Ramos que nos leva para um território de secura e mudez. Dos que fogem pelos sertões. Para sobreviver ou à procura das palavras da cidade.
“Minha mãe era alinhada, gostava de vestidos coloridos, era boa dançarina. Meu pai era o maior dançarino de todos. Viu ela, ela viu ele. Eu fui uma transa de Carnaval. Meu pai transou com minha mãe e eu nasci, por isso sou assim um pouco alegre.” Ao dizer isto João Flávio quer reforçar a sua identidade marcada pelo acaso, ou, como diz, “pelo sem querer”. Tem 58 anos, nasceu no Recife, uma das maiores cidades do Nordeste do Brasil, é poeta de rua, dos mais celebrados do país, dos que mais vendem; repentista, fazedor de uma linguagem que se tem ajustado ao desajuste da sua vida. Nunca conheceu o pai, é filho único, foi um menino negro da periferia que sonhou ser jogador de futebol capaz de passes como os de Mirovaldo, o sertanejo de Aracaju que jogou em Portugal na década de 70. Falhou no teste da bola, ainda quis ser jornalista, mas não passou no vestibular. Decidiu ser poeta. Nunca mais se soube de João Flávio Cordeiro da Silva. Ficou Miró — em homenagem a Mirovaldo — e Muribeca, o nome de um aglomerado de edifícios para pobres onde cresceu, hoje cidade-fantasma junto a uma lixeira nos arredores do Recife.
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