O BE quer cortar relações com o Brasil?
Apelar ao fim das cimeiras luso-brasileiras que é o que, em última análise, pede o Bloco de Esquerda, serve os dois povos irmãos? Não, não serve.
O Bloco veio esta quinta-feira fazer um apelo, em comunicado formal, para que o Governo cancele uma futura visita do presidente brasileiro a Portugal.
“Jair Bolsonaro não é bem-vindo a Portugal”, declara a direcção bloquista, para a qual é “inaceitável” Bolsonaro pôr os pés em solo português. A existir visita, isso “sinalizaria ao povo irmão do Brasil que o Governo português é conivente com o constante desrespeito pela democracia demonstrado”. Infelizmente para este argumento, foi o “povo irmão brasileiro” que elegeu Jair Bolsonaro como seu Presidente em eleições até agora não declaradas ilegais. Para angústia de muitos de nós, o representante do povo irmão é, para efeitos internacionais, a inanidade Bolsonaro. Ele tem espírito de ditador, mas o Brasil ainda não está classificado como ditadura.
O que levou o Bloco a pedir o cancelamento da cimeira Portugal/Brasil marcada para 2020? Mais uma imbecilidade de Bolsonaro – que seguramente não é mais grave do que quando glorificou o torturador de Dilma Rousseff, na sessão de impeachment da ex-presidente do Brasil. Desta vez, Bolsonaro disse que um dos mortos pela polícia durante a ditadura teria sido, na sua opinião, morto pelos companheiros da organização a que pertencia.
A dirigente do Bloco de Esquerda disse que, “independentemente das divergências políticas com o presidente”, a última anormalidade de Bolsonaro “impõe um dever de solidariedade com as vítimas da ditadura brasileira”. Ora, desde sempre Bolsonaro se identificou com a ditadura militar. No impeachment de Dilma Rousseff dedicou o seu voto “à memória do coronel Brilhante Ustra, o terror de Dilma Roussef”. Ustra era um dos homens fortes da polícia da ditadura, reconhecido pelos tribunais brasileiros como torturador. De 2016 até aqui, foram várias as vezes em que chamou “herói” a Ustra. Não há aqui nada de novo. É repugnante, sórdido, mas nada de novo.
Apelar ao fim das cimeiras luso-brasileiras que é o que, em última análise, pede o Bloco de Esquerda, serve os dois povos irmãos? Não, não serve. Claro que existe a alternativa teórica de cortar relações diplomáticas com o Brasil, mas nem deve ser isso que o Bloco quer. Se, de facto, o partido conseguisse ter votos suficientes para integrar um governo onde tivesse genuína influência, como afirma o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, cancelaria a visita de Bolsonaro? Provavelmente não. Até o Bloco é capaz de fazer realpolitik – como até mostrou nestes últimos quatro anos.