Johnson foi à Escócia prometer fundos extra e garantir unidade do Reino no pós-“Brexit”
Sem receio da saída da UE sem acordo, primeiro-ministro britânico anuncia pacote de 300 milhões de libras para investimentos na Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Sturgeon acredita que no deal é objectivo do Governo.
Boris Johnson iniciou esta segunda-feira um périplo pelo Reino Unido para tentar sossegar os representantes políticos e económicos escoceses, galeses e norte-irlandeses que receiam a saída do país da União Europeia sem acordo. O Governo britânico está determinado em seguir essa via, se Bruxelas recusar negociar um novo acordo, e acredita o no deal pode melhorar a sua posição negocial. O primeiro-ministro garante, no entanto, que esse cenário não coloca em causa a unidade territorial do Estado.
De visita à Escócia, Johnson prometeu a afectação de 300 milhões de libras (cerca de 329 milhões de euros), em fundos extras, para estimular as economias regionais, e disse “não ver motivos” para autorizar o governo escocês a realizar um novo referendo de independência.
“[O referendo de 2014] foi algo que só se realiza uma vez na vida, uma vez numa geração, toda gente foi informada sobre isso”, defendeu o primeiro-ministro, na base naval de Faslane, nos arredores de Glasgow. “Penso que seria totalmente errado quebrar agora a promessa feita à população escocesa e ao Reino Unido, realizando outro referendo”
O novo inquilino do número 10 de Downing Street, que substituiu Theresa May na passada terça-feira, depois de vencer a eleição interna do Partido Conservador, também se reuniu com Nicola Sturgeon, first minister da Escócia, em Edimburgo – onde foi recebido com ruidosos protestos.
Em declarações aos jornalistas depois do encontro, Sturgeon afirmou que Johnson quer mesmo avançar para um “Brexit” sem acordo e reafirmou que essa posição empurra a Escócia – que votou pela permanência na UE no referendo de 2016 –, para nova consulta secessionista.
“Mesmo que Boris Johnson diga publicamente que prefere chegar a um acordo [com a UE], a verdade é que ele está mesmo à procura de um ‘Brexit’ sem acordo, porque é essa a lógica da posição radical que tem vindo a assumir”, disse a primeira-ministra escocesa e líder do Partido Nacional Escocês (SNP).
Apesar de os escoceses terem rejeitado a separação do Reino Unido em 2014, Sturgeon revelou que o seu governo continuará as preparações para um novo referendo independentista, por causa do impacto “catastrófico” de um divórcio sem acordo.
“Bloquear o direito da população escocesa de escolher não é uma posição democrática e tornei isso bem claro [a Johnson]”, disse a líder do SNP. “O que acontecer durante o Verão, com as negociações em volta do ‘Brexit’, irá ter impacto na decisão que teremos de tomar”.
Johnson tem ainda previstas viagens ao País de Gales e à Irlanda do Norte nos próximos dias, para promover o pacote dos 300 milhões de libras. Segundo o Governo britânico, o dinheiro será aplicado em “acordos de crescimento”, que terão como finalidade “permitir o investimento em negócios e projectos regionais” que, por sua vez, irão “estimular as economias locais e criar emprego”. Mas a oposição na Escócia e no País de Gales não se mostrou muito entusiasmada com a medida.
A delegação galesa do Partido Trabalhista afirmou que o montante é “demasiado reduzido”, uma vez que não conseguirá lidar com a “falta de investimento crónica” que já existe e que aumentará após o “Brexit”.
Já o governo escocês garantiu que os 300 milhões não são “fundos extra”, mas o resultado de negociações com o Governo anterior. “[Os fundos] já estavam alocados, trata-se de um financiamento reciclado e de um anúncio muito pouco expressivo, vindo de um primeiro-ministro que só quer recomeçar uma relação com a Escócia”, acusou Derek Mackay, responsável pela pasta das Finanças.
“Acordo está morto”
A entrada em funções de Boris Johnson trouxe uma mudança fundamental em relação ao executivo anterior, no que à estratégia para o “Brexit” diz respeito, uma vez que não é rejeitada a saída sem acordo – o cenário potencialmente mais nefasto para as economias britânica e europeia, de acordo com a grande maioria dos estudos conhecidos, incluindo o do Banco de Inglaterra.
O líder conservador quer retirar o Reino Unido da UE até ao dia 31 de Outubro “em quaisquer circunstâncias”. Esta segunda-feira insistiu que o acordo fechado entre Bruxelas e Theresa May “está morto” e que é tempo de “estender a mão” aos 27 para que, “com bom senso e boa vontade”, se chegue a um novo compromisso.
Esta postura é, no entanto, bem mais moderada do que aquilo que alguns dos seus ministros andam a dizer. Na véspera, o vice-primeiro-ministro, Michael Gove, revelou que o Governo está a “trabalhar sobre o pressuposto” de que não haverá novo acordo entre Londres e Bruxelas – que não abdica do backstop, para proteger a fronteira entre Irlanda do Norte e República da Irlanda, e o mercado único.
E esta segunda-feira de manhã, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, defendeu que o no deal pode ser vantajoso para a posição negocial britânica, face a uma UE que não abdica de uma postura “teimosa”.
“Queremos um bom acordo, mas temos assistido a uma série de posições teimosas por parte da UE”, disse à Raab numa entrevista à BBC. “As perspectivas de conseguirmos um bom acordo serão melhores depois de sairmos nesses termos [sem acordo], já que ficaríamos numa posição de país independente, efectivamente menos condicionado pelas exigências da UE”.