Desconstruir em vez de demolir: no prédio Coutinho reutilização seria superior a 80%

Estudo mostra, a partir do caso do mediático prédio de Viana do Castelo, as vantagens de desconstruir um edifício. No Coutinho, poupança financeira seria na ordem dos 20%

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Decisão de demolir o prédio Coutinho foi tomada em 2010 Adriano Miranda

Aline Guerreiro tem uma explicação de pura semântica para quem desconhece o significado de uma desconstrução: “Acaba por ser exactamente o contrário da construção”, simplifica. Como alternativa à demolição de um edifício, desconstruir é fazer o processo do fim para o princípio: “O último material a ser colocado é o primeiro a ser retirado”, explica a arquitecta: “Começa-se pelos acabamentos, retiram-se as lâmpadas, os materiais de revestimento… e por aí fora, até chegar à estrutura.” O Portal da Construção Sustentável e a Quercus juntaram-se para fazer um estudo sobre o potencial de valorização do prédio Coutinho, em Viana do Castelo, que a autarquia local quer deitar abaixo, mas onde ainda resistem sete moradores.

A empresa a quem foi adjudicada a demolição já se mostrou disponível para adoptar este modelo, e não o de uma demolição clássica, e também a Viana Polis e a câmara colaboraram no processo. O estudo agora disponível mostra que, “depois de contabilizados todos os materiais, a percentagem de reutilização/valorização anda acima dos 80%, muitos deles como retorno financeiro.” Se durante a obra se fizer uma adequada triagem, segregação e encaminhamento dos materiais, acrescenta, isso permitirá, “no mínimo, uma poupança directa de 20%”.

Ao contrário do que acontece noutros países, o método de desconstruir está numa fase “embrionária” em Portugal. Aline Guerreiro fala da ideia de um edifício ter um ciclo de vida circular - em vez de ter um princípio, meio e fim – como um conceito ainda estranho entre arquitectos, engenheiros e outras profissões ligadas à construção. Em edifícios públicos, a lei obriga à incorporação de 5% de materiais recicláveis. Mas em 2020 - impõem metas definidas pela Europa - esse valor teve ser de 70%.

É uma revolução na qual Aline Guerreiro tem pouca fé. Esse prazo inicialmente previsto para Janeiro do próximo ano foi esticado para Dezembro, mas ainda assim parece impossível de concretizar. “Enquanto não for uma necessidade não vai acontecer”, disse ao PÚBLICO a coordenadora do Portal da Construção Sustentável, também membro da direcção-nacional da Quercus. Quando diz necessidade, Aline Guerreiro carrega na palavra: “Só vai ser obrigatório ter essas regras em conta quando houver falta de material e percebermos que não podemos continuar a criar resíduos, a depositar em aterros, a criar mais lixeiras, a gastar novos recursos e mais energia para fazer novos materiais.”

Palavra de quem em 2010 decidiu criar um portal sobre materiais amigos do ambiente por sentir falta desse tipo de informação e acabou por construir um atelier onde a sustentabilidade é epíteto de todos os projectos. A mudança sentida nos últimos tempos é “pontual”, lamenta. O estudo sobre o edifício Jardim, mais conhecido como prédio Coutinho e onde deverá nascer um mercado municipal, pode ser um momento de viragem. “Se conseguirmos acompanhar todo o processo de perto este caso pode tornar-se um exemplo da importância [deste método].”    

Para o estudo, a Quercus e o Portal da Construção Sustentável fizeram um inventário, dividindo os materiais em três categorias: os reutilizáveis, os valorizáveis/recicláveis e os que devem ir para depósito em aterro. A equipa encontrou um grande número de materiais passíveis de reutilização: 559 portas de madeira, 359 torneiras de lavatório, 180 lavatórios, 181 sanitas em cerâmica, 94 banheiras, 74 bases de duche. E também de matérias reutilizáveis. A terra pode ser reutilizada para enchimento, o vidro para novo vidro ou agregado, o metal pode ir para venda ou revendedor de sucata, a madeira para reutilização noutras estruturas ou reciclar como matéria-prima para cofragens, paisagismo ou combustível.   

Mas para tornar uma desconstrução lucrativa, acrescenta Aline Guerreiro, os materiais devem ser vendidos, compensando um processo que, comparativamente com a demolição clássica, é mais morosa. E aí começa o problema português, onde ainda há poucos exemplos de boas práticas: “Falta um mercado de materiais em segunda mão.” Nos custos deste processo estimados pelo estudo não entram também os que poderão ser necessários com a descontaminação, ou seja, a eliminação de materiais potencialmente perigosos. No Coutinho, prédio de 13 andares construído na década de 70, foram encontrados radiadores, coberturas, pavimentos, telas asfálticas, alcatifas, refere o estudo. E nestes poderá haver fibras de amianto. Uma desconstrução é, à partida, mais cara do que uma demolição. Mas nas contas finais, quando todo o mercado estiver afinado, não há dúvidas quanto ao ganho.

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