Pôr uma capa cinzenta sobre o carro era ser um português dos anos 1980
Pano de fundo das perseguições de Duarte e Companhia e das histórias de Fernando Pessa, até Salazar usava um paninho para proteger o seu Cadillac.
Durante anos, as ruas das povoações portuguesas tiveram uma camada extra de cinzento. À febre do asfalto juntava-se a urgência e o carinho de proteger os carros com capas cinzentas. O automóvel era para a vida, era família, era uma extensão da casa. Em 1960, um postal ilustrado gabava o Terreiro do Paço — feito parque de estacionamento. E na mais nobre praça portuguesa, nesse postal para mandar à família, já se destacava um carro coberto com uma capa cinzenta, pois claro. Vinte anos depois essas coberturas plúmbeas, tão simbólicas de um tempo e de uma mentalidade, estavam por todo o lado. É que, como dizia Fernando Pessoa, “um carro pode ser muito bonito, mas, se o esmalte com que está pintado tiver tendências para a emigração, o carro poderá servir, mas a pintura é que não serve. A pintura deve estar pegada, como o cabelo, e não sujeita a uma liberdade repentina, como um chinó”.
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