A casa de Luís, Andreia e Nacho tem quatro rodas. “A nossa vida está dentro da carrinha”
São portugueses, já viveram na Alemanha, mas regressaram ao país de origem para o conhecer de Norte a Sul. Luís, Andreia e o mais recente amigo de quatro patas, Nacho, vivem numa carrinha, que transformaram em casa, e vão viajar durante três anos.
Há uns anos viviam na zona de Sintra, mas ansiavam por algo maior. Insatisfeito com o mestrado em Engenharia Mecânica, Luís decidiu enviar currículos para países que entendia terem uma “qualidade de vida melhor”. “Uma empresa contactou-me e fui à Alemanha ter uma entrevista. Vim de lá praticamente com um contrato de trabalho”, recorda o engenheiro, de 30 anos. Desistiu do mestrado, terminou o estágio profissional, que estava a fazer em paralelo, e rumou a terras alemãs. Andreia juntou-se-lhe três meses depois.
“Ele convidou-me a ir para lá e eu aceitei. Não tinha nada a perder”, conta Andreia, 28 anos, que tirou um curso de alemão durante sete meses e começou a trabalhar pouco tempo depois. Eram “bons amigos”, Andreia tinha uma vida “complicada” em Portugal e Luís estava sozinho na Alemanha — a equação perfeita para se juntarem. Na altura, “correu bem”: ele trabalhava em refrigeração industrial, ela na área da restauração. Mas nem por isso deixavam de viajar — e compraram uma câmara para registar momentos. O gosto pela fotografia foi tomando “maiores proporções” até que, em 2016, Luís decidiu que esse era o caminho a seguir.
“Senti que a minha fotografia já estava a um bom nível e que podia viver daquilo se estruturasse a minha vida para isso”, explica. Dois meses depois, era unânime que viajariam a tempo inteiro. Por isso, guardaram algum dinheiro durante um ano e meio e, depois de cinco anos a viver na cidade de Ulm, no Sul da Alemanha, regressaram a Portugal, em Novembro de 2017.
É uma casa portuguesa, com certeza — mas sobre rodas
A ideia inicial era viajar “de mochila às costas”, que acabou por não ser viável para transportar computadores e material fotográfico. Decidiram, então, que uma autocaravana era a “melhor opção” — mas não queriam uma convencional, nem que se notasse que lá vivia alguém. Então, transformaram uma carrinha, que compraram e legalizaram pouco tempo depois de regressar. A transformação durou cerca de sete meses, mas, antes disso, foi necessário fazer o projecto, apresentá-lo ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e esperar que fosse aprovado. E, aí, partiram. A 31 de Dezembro de 2018. Com o projecto Travel Inspire.
“Começámos a gostar muito da ideia de ter realmente uma carrinha que fosse ao nosso gosto e que fosse do nível de conforto que nós quiséssemos. Partimos logo do princípio que iríamos fazer uma e não comprar uma já feita”, conta Andreia. A ideia de ter uma “casa às costas” atraía-os: poder estacionar, sair para trabalhar durante o dia e voltar quando quisessem. E viver numa carrinha “não foi um choque [assim] tão grande”, admitem. A casa na Alemanha estava “quase vazia” e nunca foram pessoas de “ter muita coisa”. O minimalismo não os assustava.
Arte do desenrasca é palavra de ordem para os portugueses — tal como foi para Andreia e Luís. Não sabiam mexer em madeiras, nem em ferramentas. “Aprendemos a fazer tudo”, contam. A transformação foi totalmente feita por eles, com ajuda de um primo de Andreia na parte eléctrica, o calcanhar de Aquiles de ambos. O maior desafio foi aproveitar e rentabilizar o espaço, que era pouco para a muita arrumação que precisavam.
Metade da carrinha é ocupada por alçapões brancos, com almofadas por cima — os sofás —, e pela mesa, ao centro, para trabalho e refeições, que desce e fica ao mesmo nível dos alçapões, dando lugar à cama. Por baixo da estrutura, o espaço divide-se entre caixas de arrumação e parte eléctrica. Ao lado de um dos sofás, uma estante serve para guardar comida, produtos de higiene e, na prateleira mais em baixo, a sanita portátil do casal, “que é química e tem que ser despejada em sítios específicos para despejo”, explica Andreia. Ao lado da estante, uma cabine de duche que, em viagem, serve também para guardar alguns pertences. Em frente, a cozinha, com um fogão portátil, uma bancada com extensão e uma banca para lavar a loiça. Por último, e escondidos, os tanques de água, ao lado do duche.
“Desafiante” e com uma “certa logística”: é assim que é viver numa carrinha, dizem. “Temos sempre que procurar água, sítio para pernoitar e para trabalhar. Quando está mau tempo, não temos muita energia, e como precisamos de electricidade ou Internet, temos que procurar sítios fora para trabalhar ao computador”, explica Andreia, que, apesar das dificuldades, admite que é “bom”. “Somos completamente livres e flexíveis, podemos estar em qualquer lado quando quisermos, podemos viajar ao nosso ritmo, sem pressas, e isso é espectacular”, garante.
No entanto, o mais recente desafio chama-se Nacho, que “tem sido uma novidade”. O cão, que faz parte da vida do casal há dois meses, não estava planeado. “Estávamos na região do Douro, no meio das vinhas, e encontrámo-lo atrás de um cemitério. Parámos para descansar, porque estava imenso calor nesse dia, e ele veio a correr ter connosco. Nós vemos muitos animais abandonados, mas o Nacho estava no meio do nada, no meio do lixo à procura de comida. E acabou por vir connosco”, conta Andreia, que sempre quis ter um animal. Luís, “mais realista”, sabe que é um trabalho acrescido e admite que se algum dia tivessem um animal “seria um gato”.
Viver do digital, um clique de cada vez
Como se mantém uma vida ambulante, sem um local fixo de trabalho? Hoje, a resposta é fácil: no digital. No caso de Andreia e Luís, a fotografia é “o maior rendimento”. Luís, que tem um portefólio online, vende fotografias em stock, que é “constante”. Para além disso, criaram há pouco tempo um e-book, onde contam a história da transformação e legalização da carrinha. Para além de “dar resposta às perguntas constantes que as pessoas faziam sobre o processo”, o objectivo era também “inspirar outras pessoas a fazer a mesma coisa”.
As redes sociais, com as quais ainda não têm o rendimento que desejariam, é o lado digital onde acabam por estar “mais presentes”, principalmente no Youtube, onde começaram por partilhar a transformação da carrinha e seguiram com a história da experiência, que contam através de vlogs, e no Instagram, onde partilham o dia-a-dia. “As pessoas interessam-se muito por estes estilos de vida alternativos”, diz Andreia, que sabe que “há muita gente em Portugal a fazer isto, mas que não partilha na Internet”.
Quase oito meses depois de terem iniciado a viagem, que planeiam que dure entre dois a três anos, já percorreram Portugal de Norte a Sul. Começaram em Tróia, desceram a costa vicentina, fizeram a costa algarvia e seguiram direcção ao interior. Alentejo, Évora, Badajoz, Coimbra, serra da Estrela, percurso do Douro até ao Porto, Braga, Guimarães, Gerês e seguem agora para o Norte de Espanha. Apesar de terem um “mapa com todos os sítios” que querem fotografar, não planeiam propriamente um roteiro. Nem o futuro. Mas são “várias [as] ideias”, admitem. Uma delas é “regressar a um sítio mais calmo de Portugal e ter uma off grid house, auto-sustentável”. A outra é continuar a viajar — e conhecer a América do Sul é um desejo de Luís.
Para já, segue-se a Espanha. Depois, como já se faz sentir o Verão e querem “evitar o Inverno do Norte”, deverão seguir para sul. Sul de França, Itália, Grécia — e onde o destino os levar, que é para isso que cá estão.
Texto editado por Sandra Silva Costa