Título europeu mostra que a formação pode ser uma aposta ganha
A conquista da Divisão B do Europeu pela selecção sub-20 de Portugal foi um feito inédito na história do basquetebol nacional. A modalidade tem evoluído, mas ainda há muito a fazer para que este triunfo não seja um caso isolado.
Passou quase uma semana daquele que é, até ao momento, o primeiro título português de basquetebol em qualquer escalão da modalidade. Um feito inédito e que pode marcar um antes e um depois para o basquetebol nacional. A conquista da Divisão B do Campeonato Europeu de sub-20 teve o contributo essencial de Rafael Lisboa, o jogador mais valioso da final, de Neemias Queta, preponderante em alguns triunfos na caminhada portuguesa antes de se lesionar, mas igualmente dos restantes elementos da equipa orientada por André Martins. A aposta na formação por parte de muitos clubes começa a dar os seus frutos.
Presença assídua nos jogos dos sub-20 durante o Europeu, Mário Gomes, seleccionador nacional de seniores, coordenador das selecções masculinas e director técnico nacional, considera que o resultado alcançado em Matosinhos pode ter sido um ponto de viragem na modalidade em Portugal, sublinhando que o resultado não é um acaso. Para ele a formação em Portugal “tem evoluído” – mérito “dos clubes e treinadores que se dedicam genuinamente a ela”. E a chave para este sucesso é “ter treinadores profissionais dedicados à formação”. A opinião é partilhada por André Martins, que recolheu os frutos de uma maior atenção, por parte de alguns clubes, pela “formação individual dos jogadores”.
O treinador dos sub-20 lembra, contudo, que, apesar do resultado, o nível do basquetebol masculino português “ainda é de nível B” e deixa um alerta: “Não podemos ter apenas uma ou outra geração com talento que consiga obter alguns bons resultados de forma espontânea. É preciso que o basquetebol português forme regularmente jogadores com capacidade para jogar entre os melhores da Europa.”
A equipa que conquistou o título é, ainda de acordo com André Martins, uma geração com jogadores “de grande talento” em todas as posições, algo “difícil” de encontrar. A começar por Neemias Queta, um jogador “com características que nunca tinham aparecido” em Portugal, afirma Mário Gomes. Além dos atributos físicos, “é muito inteligente, sabe para onde quer ir, mas nunca esquece de onde vem”. O treinador dá o exemplo da sua presença no Campeonato da Europa, Divisão B: “A participação do Neemias foi vontade dele. Houve opiniões diferentes – legítimas - de quem entendia que não devia participar por ser a Divisão B. Isto só demonstra a personalidade dele e que tem a cabeça no sítio”.
No entanto, no rescaldo da vitória, Mário Gomes deixou uma certeza ao PÚBLICO: se Portugal quiser evoluir na modalidade, não pode desaproveitar as oportunidades que surgem. No passado “houve oportunidades que passaram por nós e não foram aproveitadas a partir do dia seguinte”, admitiu, esperando que se tenha “aprendido com os erros”.
O seleccionador nacional dá dois exemplos: o Campeonato do Mundo de juniores de 1999, um evento “como nunca se fez” no basquetebol nacional, em que “pouco se fez para aproveitar a onda”, e o melhor desempenho internacional sénior, o nono lugar no Europeu de 2007, em que a única alteração que surgiu foi “a extinção da Liga profissional”. Por isso declara: “O impacto real que [o título] vai ter na modalidade depende do que se começar a fazer no dia a seguir”, avisa.
Na opinião de Mário Gomes a maioria dos jogadores portugueses que têm “talento diferenciado” acabam por terminar a carreira “sem saber onde poderiam ter chegado”. “Cá, a exigência diária não é a que devia nem é suficiente para provocar um sentimento de auto-exigência”, declara. E considera que a falta de jogadores portugueses em “realidades diferentes” é uma condicionante ao seu crescimento técnico: “Se alguns jogadores da selecção sénior, dos sub-20 ou de outra selecção tiverem a oportunidade e a ambição de passarem por outros contextos, vamos ficar surpreendidos de forma positiva.” Opinião partilhada por André Martins: “Jogar em competições exigentes é determinante para o crescimento dos jogadores” e, em última instância, da modalidade.
Para a história fica o feito da selecção portuguesa de sub-20, que venceu todos os sete jogos disputados na competição realizada em Matosinhos, e que já antes tinha registado oito vitórias em outros tantos jogos de preparação. Um percurso que André Martins não tem dúvidas em classificar de “histórico e extraordinário”. O desafio agora é que ele não se torne um caso isolado.