Ferro Rodrigues confirma que se recandidata a presidente da Assembleia da República
Mantém a intenção de apoiar a recandidatura de Marcelo e afirma que a sua posição “corresponde ao sentimento maioritário no PS”.
O presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, está disponível para se recandidatar ao cargo após as próximas eleições legislativas e caracteriza como “histórica” para a democracia portuguesa a legislatura que agora termina.
“Acho que foi uma legislatura histórica, não apenas para mim, mas para a democracia e, sobretudo, para o país”, sustentou Ferro Rodrigues, em entrevista à Agência Lusa, esta sexta-feira, numa síntese dos quatro anos em que foi presidente do Parlamento.
Questionado se admite recandidatar-se ao lugar, caso o PS vença as eleições, ou, pelo menos, se a esquerda mantiver uma posição maioritária no Parlamento, o antigo líder socialista respondeu sem hesitações: “Parece-me que isso é evidente, não apenas pelas notícias, como por tudo aquilo que foi o último ano e meio de acção na minha intervenção”.
“E a disponibilidade que manifestei foi correspondida pelo secretário-geral do PS [António Costa]”, completou. A notícia de que Ferro Rodrigues continuará a ser a segunda figura do Estado se o PS ganhar as eleições tinha sido já avançada pelo PÚBLICO.
A eleição de Ferro Rodrigues para o lugar de presidente da Assembleia da República, em Outubro de 2015, foi na altura muito contestada pelas bancadas do PSD e do CDS-PP, partidos que em coligação tinham vencido semanas antes as eleições legislativas. Pela primeira vez na democracia portuguesa, um presidente do Parlamento eleito saiu da segunda maior bancada, a do PS, e não do maior grupo parlamentar, o do PSD.
No início da legislatura que agora finda, PSD e CDS chegaram mesmo a caracterizar a eleição de Ferro Rodrigues para a presidência da Assembleia da República como um “golpe de Estado” parlamentar.
“Não houve golpe de Estado parlamentar nenhum, porque a maioria que vota, em voto secreto, um presidente da Assembleia da República é sempre uma maioria legítima, qualquer que seja o eleito. Pura e simplesmente passou-se que, mesmo antes de haver um acordo governamental de incidência parlamentar, houve um acordo entre as diversas bancadas” da esquerda para essa eleição, contrapôs, nesta entrevista, o antigo líder socialista.
Nessas primeiras semanas da actual legislatura, verificou-se isso sim, segundo Ferro Rodrigues, “uma tentativa de interferência do antigo Presidente da República [Aníbal Cavaco Silva] quando apelou a que esta solução política não vingasse”.
“Até costumo dizer, meio a brincar meio a sério, que lhe estou agradecido, porque esse apelo foi feito na véspera da votação para a presidência da Assembleia da República e isso contribuiu fortemente para a coesão do Grupo Parlamentar do PS”, sustentou.
“A centralidade do Parlamento”
O presidente da Assembleia da República reconheceu que nos primeiros dias após a sua eleição “havia um ambiente muito de confronto” no Parlamento.
“Fui o primeiro resultado de um novo acordo político no Parlamento e naqueles dias houve ataques muito fortes, sobretudo vindos da bancada do PSD e dos deputados que estavam mais ligados ao Governo de Pedro Passos Coelho. Mas entendi-os como normais em democracia e a pouco e pouco penso que as dúvidas que poderiam existir sobre a minha intenção foram resolvidas. Ao fim destes quatro anos, concluo que as coisas terminaram bem. Portanto, para mim, foi um risco, mas foi também uma enorme satisfação e uma enorme honra ter sido presidente da Assembleia da República neste quadro”, afirmou.
Num breve balanço destes últimos quatro anos, no plano político-institucional, Ferro Rodrigues destacou “a centralidade do Parlamento em vários momentos chave”.
“O chumbo do programa do [segundo] Governo de Pedro Passos Coelho, que entretanto tinha sido nomeado primeiro-ministro; e, em segundo lugar, quando foram reprovadas as moções de rejeição apresentadas pelo PSD e CDS contra o programa do Governo de António Costa. Depois, houve momentos muito importantes: os quatro orçamentos que foram aprovados”, apontou.
Ferro Rodrigues frisou que, pela primeira vez, esses orçamentos “tiveram de ter um voto positivo (não bastava abstenção) por parte de todos os partidos que estavam na esfera do Governo de António Costa [Bloco de Esquerda, PCP e PEV]”.
“Estes quatro anos têm também muitos aspectos positivos em coisas que são pouco visíveis, mas que têm muita importância, como o relacionamento institucional entre o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] e a capacidade que houve de ultrapassar as pequenas divergências que naturalmente podem existir. Um ambiente muito favorável que acabou com aquele momento final [dos trabalhos em plenário] que não estava não estava programado e que foi, para mim, motivo de orgulho ao ver algumas pessoas, inclusivamente nas bancadas do PSD - as pessoas mais renitentes com esta actual direcção - levantarem-se e baterem-me palmas pela maneira como tinha exercido este mandato. E isso é muito reconfortante para quem começou com grandes dificuldades”, salientou.
Sobre o Presidente da República afirma que Marcelo Rebelo de Sousa tem uma grande independência em relação a si próprio, o que faz dele “um grande Presidente” e que ele próprio faz questão de repetir que se as eleições fossem amanhã, “não teria dúvidas em quem votaria”.
Votar Marcelo
“O Presidente da República actual não tem essa lógica de funcionamento de primeiro mandato e de segundo mandato”, diz Ferro Rodrigues, para quem Marcelo Rebelo de Sousa tem desempenhado muito bem a sua função, e “é uma personalidade com um grau de independência em relação a ele próprio, às suas próprias convicções ideológicas, religiosas, que o torna, exactamente por essa independência, um grande Presidente da República”.
Ferro Rodrigues elogia o bom relacionamento institucional, político e pessoal que foi construído entre ambos, “o não quer dizer que se desculpa tudo aquilo que pode haver negativo na sua personalidade, mas passa-se a reconhecer muita coisa muito importante do seu carácter e a sua maneira de ser”.
Por tudo isto, o presidente da Assembleia da República e destacado dirigente socialista reafirma que não vê motivo para mudar a posição que anunciou há meses [que votaria em Marcelo Rebelo de Sousa] e que acha que essa orientação “corresponde ao sentimento maioritário no PS”.
Questionado sobre se no futuro veria António Costa como Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues considera que “as funções políticas têm muito que ver com a personalidade de cada um” e aponta os exemplos de Jorge Sampaio e de António Guterres.
“Sempre ouvi o doutor Jorge Sampaio (…) ter uma vontade clara de ser Presidente da República, sempre ouvi o engenheiro António Guterres dizer que nem pensar, porque era uma coisa chatíssima”, diz, para sublinhar de seguida: “sobre António Costa, estaria mais tentado – mas isso é uma especulação – em achar que ele é mais parecido com António Guterres do que com o doutor Jorge Sampaio”.
Sobre si próprio, Eduardo Rodrigues afirma que “tendo as coisas corrido bem até agora”, não vê “motivo nenhum para sair [da política] sem mais nem menos”.
O actual presidente da AR recorda o período em que esteve doente e, por isso, afastado da vida política e que não gostou “dessa pseudoliberdade que a saída da política dá”.
Quanto à saída da política anunciada pelo seu amigo José António Vieira da Silva, limita-se a comentar que lamenta, mas “cada um sabe da sua vida”.
Relativamente a Carlos César, que também anunciou que não se recandidataria, diz que recebeu a notícia com naturalidade e que tinha conhecimento dessa decisão há um ano, a qual lhe foi comunicada pelo próprio.
“Independentemente da intriga política, que faz parte da vida democrática e que muitas vezes é feita por aqueles que são mais ferristas que o Ferro, ou mais cesaristas que o César, não foi para mim uma surpresa”, comenta, aludindo às notícias que o davam como desavindo com ainda presidente do grupo parlamentar do PS.
Panóplia de alternativas
Ferro Rodrigues defende a importância para o sistema democrático resultante da actual solução política, com um Governo minoritário socialista suportado no Parlamento pelo BE, PCP e PEV, mas não manifesta qualquer certeza sobre a possibilidade de esta mesma solução se poder repetir na próxima legislatura, fazendo tudo depender dos resultados das próximas eleições.
“O PS possivelmente estará em condições de ter uma panóplia de alternativas à sua disposição para poder governar, continuando a sua governação, como até agora, em diálogo e em trabalho conjunto. Os estudos de opinião, como agora se diz em linguagem politicamente correcta, permitem antever que o PS poderá escolher parceiros, ou o parceiro, desde a direita até à esquerda. Isso é bom para o país e bom para o primeiro-ministro”, António Costa, declarou.
Questionado sobre a possibilidade de o PS alcançar uma vitória com maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, Ferro Rodrigues recusou-se a fazer o papel de analista político. “Aquilo que sei é que todos os partidos, em última análise, vão querer ter maioria absoluta. O que seria anormal e um absurdo era os dirigentes do PS pedirem aos eleitores para não votarem no PS para não terem maioria absoluta”, observou.
No entanto, no plano estratégico, o antigo líder socialista e ministro dos dois governos liderados por António Guterres deixou um recado à direcção do seu partido.
“Acho que o PS não deve colocar essa questão [da maioria absoluta] como central na campanha, mas também não pode levar a que os eleitores do PS, que tenham gostado muito desta solução política, como é o meu caso, façam apelos para que não se vote no partido. Isso levado até o infinito e ao absurdo levaria a que ninguém votasse no PS”, apontou.
Neste tema, o presidente da Assembleia da República sustentou que “a centralidade do Parlamento”, que considerou ter-se verificado a partir desta legislatura, teve uma consequência muito concreta, porque “significa que as maiorias, ou a maioria que se estabeleça na Assembleia da República, é aquela que é determinante para a formação de um próximo Governo”.
O antigo líder do PS entre 2002 e 2004 advogou que, nesta legislatura, se quebrou “um tabu, segundo o qual só havia possibilidade de soluções ou de maioria absoluta de um partido ou de soluções que passassem por entendimentos com o centro e com a direita”.
“Quebrou-se o tabu de que era impossível um entendimento do PS com outras forças de esquerda para durar uma legislatura. Isso também significa que alguns partidos deixaram de se considerar a si próprios como partidos meramente de protesto e passaram a considerar-se a si próprios como partidos que podem ter um protagonismo de Governo”, referiu.
E, numa alusão indirecta ao Bloco de Esquerda, PCP e PEV, Ferro Rodrigues colocou mesmo uma hipótese de evolução do sistema político português a médio ou longo prazo: “E imaginar daqui a 20 ou 30 anos que esses partidos podem estar com outros em vez de aliados com o PS”, sugeriu.
“Portanto, o que se passou nesta legislatura foi uma novidade estratégica e estrutural no funcionamento do sistema político português, que permite actualmente muito mais soluções”, insistiu.
Interrogado sobre a possibilidade de a presente solução de Governo se repetir nos mesmos moldes na próxima legislatura, o presidente da Assembleia da República deu uma resposta prudente.
“O que vai acontecer a partir de 6 de Outubro só os eleitores é que podem determinar. Como é óbvio, todos os partidos querem ter mais votos do que tiveram. Querem ter o máximo de votos que for possível. Portanto, o que vai acontecer vai depender dos eleitores portugueses e a composição da Assembleia da República vai reflectir esse voto dos portugueses”, justificou.
“Linchamento” de Constâncio
Sobre os resultados alcançados nesta legislatura com as comissões parlamentares de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD), Ferro Rodrigues afirmou: “Nesta questão, relativizo muito a importância dos reguladores nacionais. Não me peçam para alinhar em nenhum linchamento de pessoas como Vítor Constâncio, que eu considero muito”, afirmou.
Neste ponto, Ferro Rodrigues fez mesmo questão de salientar que Vítor Constâncio, antigo ministro das Finanças de Mário Soares e ex-vice-presidente do Banco Central Europeu, é uma das pessoas referência da sua geração.
Acho que houve a tentativa - não sei se por parte de quem, porque depois isso no relatório final não transparece - de colocar aquilo que se chamava antigamente como inimigos do povo alguns empresários, capitalistas, gestores e governadores do Banco Portugal”, declarou o presidente da Assembleia da República.
Ainda a propósito do apuramento de responsabilidades políticas e criminais no sector da banca, o antigo líder do PS entre 2002 e 2004 acentuou que não alinha “em julgamentos populares seja contra quem for”.
O presidente da Assembleia da República deixou então nova advertência. “Também devo dizer que não alinho em nenhuma crucificação de pessoas que passaram por ali e tiveram maior exposição, ou maior mediatismo, na sua participação na comissão de inquérito. Também não alinho numa versão que me parece excessivamente divulgada de que não houve crise internacional nenhuma, como se não tivesse mesmo existido. Houve uma crise brutal que teve, evidentemente, um impacto absolutamente trágico nos resultados em geral dos bancos e da banca portuguesa, incluindo o banco público”, frisou Ferro Rodrigues.
Quanto às dúvidas que levantou a propósito do objecto da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos e que motivou protestos da oposição, Ferro Rodrigues alegou que a sua acção se destinou “pura e simplesmente respeitar a Constituição e o regimento” da Assembleia da República.
“Depois foi alterado o objecto do inquérito e tudo seguiu em frente - e ainda bem que seguiu em frente com o apuramento da verdade política. Vamos ver o que isso significa em termos de em termos de outras verdades”, disse.
Interrogado sobre eventuais consequências que poderão existir no plano judicial, Ferro Rodrigues referiu apenas que “os resultados do relatório foram mandados para a Procuradoria-Geral da República”.
Ainda no plano económico e financeiro, o antigo líder socialista rejeitou a ideia de que em Portugal, nos últimos quatro anos, não houve qualquer reforma estrutural para responder aos problemas do país.
“Há um problema que é a definição de reforma estrutural. Se as reformas estruturais forem aquilo que já vem do consenso de Washington, do final do século passado, em que as reformas estruturais são tirar direitos aos trabalhadores, liberalizar e flexibilizar o trabalho, são pôr em causa tudo o que tenha que ver com mínima protecção ao ambiente, então é evidente que não houve reformas estruturais - e ainda bem”, alegou.
Ferro Rodrigues considerou depois que, na presente legislatura, “foram dados passos muito importantes para a melhoria da sustentabilidade dos vários sistemas sociais em Portugal - isso é o fundamental das reformas estruturais”.
“As reformas estruturais não são uma coisa que se decreta e que são postas em acção no dia a seguir. São formas de estar e de exercer o poder político que tem continuidade e que têm repercussão durante muitos anos”, contrapôs o presidente da Assembleia da República.