Microalgas em vez de derivados de petróleo? Rita quer cosméticos mais sustentáveis
A partir do polímero extraído de cianobactérias, Rita Mota criou uma solução para substituir os derivados de petróleo usados em produtos cosméticos. A investigadora é coordenadora de uma marca que está a criar produtos com base neste polímero e está cada vez mais perto de entrar no mercado.
Já passaram dez anos desde que Rita Mota começou a trabalhar com cianobactérias. Foi durante o mestrado em biologia que contactou pela primeira vez com as microalgas, com o propósito de testar a sua aplicabilidade em biorremediação (“remoção dos metais pesados de águas poluídas”). Mais tarde, durante o doutoramento, começou a direccionar a investigação para a “parte aplicada”, ou seja, a tentar “perceber qual a utilidade real” destas bactérias no mercado.
A investigadora de 31 anos, que é também coordenadora da CyanoCare, uma marca registada que pretende desenvolver produtos com base em cianobactérias, descobriu então que “o polímero que as cianobactérias lançam para o meio extracelular” pode ser extraído e usado em aplicações biofarmacêuticas, como produtos de higiene e cosmética, funcionando como um substituto de compostos sintéticos, isto é, derivados do petróleo.
As cianobactérias são um conjunto de bactérias que podem ser encontradas em água marinha, água doce ou em solos, e obtêm energia por fotossíntese. Nos primórdios da sua investigação, Rita estudou a melhor forma de optimizar a cultura, ou seja, perceber que condições teriam de criar para estimular “o crescimento e a produção de polímero”. Actualmente, é num espaço do I3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto) que fazem a cultura destas espécies. Numa pequena sala, climatizada, iluminada durante o dia e escura durante a noite, de forma a simular aquilo que seria o ambiente natural das microalgas.
Mas antes de irem parar a este espaço, as culturas passam pelo Laboratório de Bioengenharia e Microbiologia Sintética, no primeiro andar do edifício, onde Rita Mota trabalha com três alunos, sob orientação de Paula Tamagnini. É aqui que a investigadora mostra ao P3 o polímero que é extraído das cianobactérias — um pó branco guardado num frasco: “[O polímero] é maioritariamente composto por açúcares, algumas proteínas e outros grupos, como os sulfatos. O que faz com que se tenha uma estrutura muito completa”, explica. É este pó que, misturado com água, vai dar origem ao substituto dos compostos sintéticos utilizados nos cremes.
A investigação ainda está “em fase de desenvolvimento”, mas a “aplicação deste polímero em biomedicina e cosmética” está patenteada. Apesar de já ter sido verificado que o polímero é biocompatível — “não é tóxico para as células e não as mata” —, falta aplicá-lo numa formulação real. Para isso, a CyanoCare vai iniciar, ainda este ano, uma parceria com a Fancystage, uma empresa portuguesa de produtos cosméticos que tem a sua própria linha de montagem, que ficará encarregue de fazer os primeiros testes da formulação.
“Aqui no laboratório fomos capazes de fazer os primeiros testes de reologia [estudo da viscosidade, plasticidade ou elasticidade da matéria]. Compáramos com a [goma] xantana, que é um polímero natural muito comum nos cosméticos, e foi aí que percebemos que com menos quantidade de polímero conseguíamos atingir uma igual viscosidade”, refere. O que também se constitui como uma vantagem — com pouco, faz-se muito.
Antes de chegar aos testes em humanos, falta verificar a “estabilidade”, isto é, durante quanto tempo o polímero pode estar numa prateleira sem se estragar, e falta também fazer os “testes específicos para cosméticos” de “potencial irritante”. Só aí estará pronto para passar às prateleiras e responder a uma necessidade que, segundo a investigadora, tem vindo a crescer.
“Houve alguma mudança ao longo dos anos, nomeadamente nos conservantes e outros tipos de produtos que não podem existir nos cosméticos. Mas ainda há muitos polímeros sintéticos, derivados do petróleo” que “podem causar toxicidade, alergias”. O mercado, contudo, começa a exigir que “todo o tipo de derivado de petróleo, todo o tipo de plástico, seja em que aplicação for”, comece a ser banido.
“Têm de existir soluções novas para conseguir atingir este mercado” que não se importa de “comprar um produto mais caro” se for feito com produtos naturais, acredita a investigadora. E “este polímero em particular”, que baptizaram de cyanoflan, é o caminho que a CyanoCare quer seguir: a equipa já está a trabalhar na aplicação das cianobactérias também na área da medicina. Com o polímero, criaram uma “película para colocar em dispositivos médicos” — como cateteres — que serve como revestimento que impede a adesão de bactérias.
Para evitar qualquer tipo de desperdício, Rita Mota procurou as aplicações que o excedente — as células (ou biomassa) depois de separadas do polímero — poderia ter. “Pode ser utilizado como biofertilizante: retém as partículas do solo e a humidade, o que faz com que o crescimento de pequenas plantas seja mais fácil”, explica. O que é especialmente vantajoso quando se fala de solos queimados. A CyanoCare já está a colaborar com a Câmara Municipal de Mortágua, para estudos de solo e posterior aplicação da biomassa.
Os pigmentos fotossintéticos das cianobactérias são “naturais” e “de cor azul, bastante estável em comparação com outros”. Estão, por isso, a ser feitos testes de estabilidade para aplicar o pigmento na indústria têxtil. “Desta forma, temos dois tipos de produtos que advêm da mesma cultura. E nada se perde. É a chamada cadeia de valor de desperdício zero.”
A CyanoCare tem participado em programas de aceleração e já ganhou prémios. Em 2018, conseguiu o terceiro lugar na fase nacional do Climate Launchpad, tendo também participado na fase internacional, em Edimburgo. Mais ainda, recebeu “uma menção honrosa atribuída pela Splash! by Mermaid e o prémio
Born From Knowledge , da Agência Nacional de Inovação”, refere Rita Mota. E as distinções reforçam a vontade de chegar ao mercado: “Estar em várias frentes às vezes não é fácil, mas acredito que vamos conseguir.”