“Você não embarca neste voo assim”. Afinal, existe um dress code para uma mulher viajar?

Passageira espanhola foi impedida de embarcar num voo da Vueling por vestir um body. O caso não é inédito, mas já obrigou companhias aéreas a pedir desculpa por excesso de zelo.

Foto
Kamil Krzaczynski/Reuters

Uma mulher espanhola de 24 anos, natural de Granada, foi este domingo proibida de embarcar num voo da Vueling entre Palma de Maiorca e Barcelona por usar “roupas impróprias”. Qual a indumentária em causa? Um body preto, uma saia e um par de ténis, esclarece Laura C. através das redes sociais. Mas a tripulação entendeu que se tratava de um fato de banho.

A viagem de Laura prometia ser absolutamente normal, como contou ao diário El País. A espanhola e o namorado dirigiram-se ao balcão do check-in uma hora e meia antes da partida, receberam os cartões de embarque e passaram pela segurança “com total normalidade”. Foi já quando estava na fila para o embarque que Laura reparou “nos olhares de uma comissária de bordo e outra que estava no balcão”. 

“Quando chegou a minha vez, a comissária disse que não ia embarcar assim. Eu disse-lhe que tinha um lenço para me cobrir e ela disse que nem com o lenço [iria viajar]”, conta.

Num primeiro momento, a comissária de bordo da Vueling ainda deixou Laura passar para a manga de embarque. No entanto, instantes depois, acabou por impedi-la de entrar no avião.

A irmã de Laura publicou nas redes sociais um vídeo, gravado pelo namorado da andaluza, que mostra a funcionária a dizer que “não vai embarcar neste voo”. E que exibe também a estupefacção dos restantes passageiros, que protestam pela decisão. “Como é que ela não pode viajar? Se não incomoda ninguém?”, ouve-se no vídeo, que termina quando a funcionária da companhia aérea chama a Guarda Civil para remover Laura do local, acusando-a de tentar embarcar no avião à revelia da Vueling. 

O incidente foi confirmado pela Guarda Civil ao El País, referindo que a justificação da companhia aérea para recusa de embarque foi de facto a roupa “desapropriada” de Laura.

A Vueling veio entretanto dizer que há regras iguais para todos os passageiros, homens e mulheres, que visam “defender e proteger a segurança de todos os seus passageiros e para regular o seu comportamento em beneficio de todos”. No Twitter, a empresa sublinha que Laura estava de “fato de banho” e que tem o direito de negar o embarque a passageiros “cuja conduta não se adapte às suas regras”.

No entanto, nos regulamentos da Vueling, na alínea relativa ao “direito do transportador a recusar o transporte aos passageiros”, não há qualquer referência à roupa que é ou não considerada “desapropriada” para um voo. 

Ao El País, fontes da empresa afirmam que no caso de Laura não esteve apenas a roupa “imprópria”, mas também a alegada recusa da andaluza em acatar um pedido de um funcionário da Vueling – ter-lhe-á sido pedido para se tapar, e Laura ter-se-á destapado novamente. “A passageira comportou-se de maneira incorrecta”, defende a transportadora.

Entretanto, a associação espanhola de consumidores Facua-Consumidores en Acción apresentou uma queixa contra a Vueling, acusando a companhia aérea de machismo. Rubén Sánchez, porta-voz da organização, sublinha que “não há justificação legal ou de segurança” para a acção” da transportadora.

Latisha Rowe teve de se tapar com uma manta para poder viajar

O caso de Laura é caricato, mas não é inédito. Ainda este mês, a norte-americana Latisha Rowe foi forçada a tapar-se com um cobertor para evitar ser expulsa do voo da American Airlines entre a Jamaica e Miami, na Florida. Latisha, que viajava com o filho, usava um vestido-calção, uma peça única. 

Médica em Houston, no Texas, Latisha estava prestes a sentar-se no seu lugar quando a comissária de bordo ordenou que regressasse à entrada do avião. Ali, perguntaram-lhe se não tinha um casaco que pudesse vestir, uma vez que vestia roupa “imprópria” para viajar. Naquele caso, Latisha diz que o problema não terá sido a roupa, mas sim as suas formas. “Eu tenho um corpo muito curvilíneo e visto cores fortes”, disse, citada pelo jornal britânico The Independent, acrescentando que se uma mulher mais magra vestisse a mesma roupa não teria “incomodado ninguém”.

No Twitter, Latisha explicou que acabou por ceder ao pedido da tripulação para resolver a situação e acalmar o filho de oito anos, incomodado com o incidente. E teve de pedir por três vezes para regressar ao seu lugar. 

Depois de ter publicado uma fotografia no Twitter onde mostra o vestido-calção que levava, inúmeros utilizadores daquela rede social teceram criticas à companhia aérea norte-americana: “Não está vestida de forma desapropriada. Não tem a ver com as suas roupas, mas sim com as suas curvas. Que vergonha, American Airlines”, escreveu, por exemplo, Jasmine Marcelin. 

O regulamento da American Airlines indica que os passageiros devem “vestir-se adequadamente: pés descalços e roupas ofensivas não são permitidas”, ainda que sem definir o que constitui roupa “ofensiva”. Apesar disso, a companhia aérea reconheceu o excesso de zelo, pediu desculpas à passageira e anunciou que iria reembolsar o preço da viagem.

No Reino Unido, Emily também teve de se tapar para embarcar 

Em Março, foi também notícia o caso da britânica Emily O’Connor, que também teve dificuldades em embarcar num voo da Thomas Cook. Viajava de Birmingham para Tenerife, nas ilhas Canárias. Tinha passado sem problemas pela segurança e pelo controlo de passaporte do aeroporto britânico. Ao embarcar, uma comissária de bordo exigiu à mulher de 21 anos — que vestia um top e umas calças de cintura subida — que se tapasse “com um casaco”. Caso contrário, não poderia viajar.

Mais uma vez, a tripulação do voo argumentou que a passageira vestia roupa “imprópria” e “ofensiva”. Através da rede social Twitter, Emily contou que um casaco emprestado pela prima resolveu o impasse e que os funcionários não se afastaram enquanto não o vestiu. 

Noutro tweet, a jovem afirma que um passageiro do sexo masculino pode embarcar de calções e de camisola curta e que a tripulação nada fez perante os insultos dirigidos a Emily por parte de outro passageiro.

Na altura, a Thomas Cook pediu desculpas, admitindo que deveria ter lidado “de melhor forma com a situação”. A companhia aérea sublinha que tem uma política de vestuário, mas que esta deve ser aplicada sem discriminar homens e mulheres.

Em Julho, a companhia aérea holandesa KLM foi também acusada de ter “valores antiquados” depois de se saber que a tripulação de um voo tinha exigido a uma mulher que se cobrisse enquanto amamentava a filha. A passageira recusou e protestou, tendo sido informada que se tratava de uma política da empresa. 

De facto, os regulamentos (ou a sua ausência) variam de companhia para companhia e de país para país. No caso de Portugal, a transportadora aérea nacional TAP não dispõe de regras quanto ao vestuário dos seus passageiros. 

Sugerir correcção
Ler 41 comentários