Tubo para testar chegada a planetas gasosos inaugurado em Portugal
Instalado no Laboratório de Plasmas Hipersónicos, perto de Sacavém, o tubo de choque será dedicado ao apoio de missões espaciais da Agência Espacial Europeia. Espera-se que em Outubro esteja em pleno funcionamento.
Imagine que um veículo espacial se prepara para entrar na atmosfera de um planeta gasoso do nosso sistema solar. Como estes planetas são muito maciços e têm uma força de atracção maior do que a Terra, quando a nave espacial chega à sua atmosfera alcança velocidades acima dos 20 quilómetros por segundo. Como pode essa nave não se transformar numa bola de fogo e sobreviver? Simular este cenário e dar uma resposta eficiente a esta questão é uma das missões do Tubo de Choque Europeu para a Investigação de Alta Entalpia (ESTHER, na sigla em inglês), que é inaugurado esta quarta-feira à tarde no Campus Tecnológico e Nuclear, na Bobadela, perto de Sacavém, na presença do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. A partir de agora, este é o tubo de choque oficial dedicado ao apoio de missões espaciais da Agência Espacial Europeia (ESA).
“Um país ou bloco de países, como a Europa, que queira ter acesso ao espaço tem de garantir que tem um tubo de choque para poder trabalhar de forma independente no projecto de veículos de reentrada”, explica ao PÚBLICO Mário Lino da Silva, investigador responsável pelo ESTHER. Até por volta de 2007, a ESA tinha um tubo de choque em Marselha – o TCM2 –, mas não conseguia fazer simulações de entradas na atmosfera que ultrapassem oito quilómetros por segundo. Só conseguia assim simular entradas atmosféricas de um veículo que vinha da Estação Espacial Internacional para a Terra.
Em 2009, a ESA lançou um concurso internacional para a instalação de um novo tubo de choque onde se atingissem velocidades acima dos dez quilómetros por segundo. Acabou por vencer um consórcio liderado pelo Instituto Superior Técnico (IST), que tem como parceiros principais o Instituto de Soldadura e Qualidade, a Universidade de Manchester, a empresa Fluid Gravity Engineering (ambas no Reino Unido), Universidade de Provença, a empresa Ingénierie et Systèmes Avancés (as duas de França) e a Universidade de Aachen (na Alemanha).
Este tubo de choque foi instalado no Laboratório de Plasmas Hipersónicos, no Campus Tecnológico e Nuclear do IST. Inaugurado em 2015, este edifício pertence ao Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST e custou cerca de 300 mil euros, financiados pelo IST. Já o ESTHER custou 1,16 milhões de euros, totalmente vindos da ESA. Se juntarmos ainda o dinheiro gasto na instrumentação, como espectrómetros e câmaras ultra-rápidas, houve um investimento de cerca de três milhões de euros da ESA e do IST.
Estrelas cadentes em laboratório
Com 20 metros de comprimento, o tubo de choque consegue atingir 600 vezes a pressão atmosférica da Terra. “É um instrumento conceptualmente bastante simples, que tem uma câmara de gás a altas pressões e outra câmara de gás a baixas pressões e que simula o topo de uma atmosfera planetária. Pode ser a da Terra, Vénus, Marte ou a de planetas gasosos”, explica Mário Lino da Silva. Entre essas duas câmaras, há um diafragma que se rompe e deixa passar o gás da zona da alta pressão para a de baixa pressão. Cria-se assim uma onda de choque que atravessa o tubo a velocidades de vários quilómetros por segundo.
Quando a onda de choque atravessa a janela de observação (no final do tubo), tira-se uma espécie de fotografia com espectrómetros. É como se fosse o photo-finish usado na corrida de 100 metros nos Jogos Olímpicos, compara Mário Lino da Silva. Essa fotografia e a luz emitida da onda de choque permitem assim conhecer propriedades físico-químicas dessa onda e fazer modelos numéricos, que servirão para simular a entrada de uma nave espacial num planeta.
“No fundo, reproduzimos estrelas cadentes no laboratório”, ilustra Mário Lino da Silva. “Por que é que falo em estrelas cadentes? Um meteoro a descer e a desintegrar-se na atmosfera terrestre tem o mesmo princípio físico de uma nave que entra na atmosfera.” Como entra a vários quilómetros por segundo, a fricção do ar aquece a nave espacial (ou o meteoro), que se transforma numa bola de fogo. Ao contrário dos meteoros, uma nave espacial tem de sobreviver à reentrada na atmosfera.
Para não se transformar numa bola de fogo, a nave espacial tem de ter a quantidade certa de protecções térmicas, que vão ardendo de forma controlada, como a cortiça. “O problema é que não se conhecem bem as propriedades físico-químicas dessas bolas de fogo”, realça o investigador. Se a nave tiver protecções térmicas a menos, acaba destruída. Mas, se tiver protecções a mais, fica desnecessariamente mais pesada, ficando assim mais cara e sem capacidade para levar mais instrumentação. O ESTHER pode assim contribuir para identificar melhor as propriedades físico-químicas das bolas de fogo e resolver o problema da quantidade das protecções térmicas. Ou seja, permite que as naves espaciais cheguem intactas e torna esse processo mais eficiente.
Este tubo vai simular a entrada atmosférica em qualquer corpo com atmosfera do sistema solar. Desde Vénus e Marte passando por Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno, até Titã. Também se poderá simular a rápida reentrada na atmosfera terrestre de um veículo vindo da Lua, a 12 quilómetros por segundo.
Neste momento, estão a ser feitos ensaios operacionais no tubo e espera-se que algures em Outubro esteja em pleno funcionamento. Entre os testes já agendados estão trabalhos para completar bases de dados aero-termodinâmicas, a simulação de reentradas na Terra e a entrada em Vénus. Também se efectuarão testes para a futura Mars Sample Return, uma missão da ESA e da NASA para recolher amostras de Marte, ou uma potencial missão da NASA e da ESA para explorar Úrano e Neptuno.
“O mais importante é que [este tubo] traz independência à Europa no acesso ao espaço”, salienta Mário Lino da Silva. Além do objectivo mais tecnológico, há também um objectivo científico e o de formar uma nova geração de alunos e investigadores do espaço em Portugal. “Queremos que um dia ir e voltar do espaço seja tão simples quanto apanhar um avião hoje em dia. Provavelmente, daqui a 100 anos, não imaginamos o quão fácil será ir e voltar ao espaço. É para isso que estamos a trabalhar: democratizar o acesso ao espaço”, assinala o investigador, acrescentando que hoje não há uma corrida ao espaço, mas sim uma corrida ao aperfeiçoamento. “É uma corrida para se fazer melhor e mais barato.”
Inicialmente, este tubo de choque era para estar concluído entre 2015 e 2016, mas a ESA pediu que tivesse uma maior performance. Além de Manuel Heitor, na inauguração estará Guillermo Ortega, responsável pelos veículos espaciais e engenharia aero-termodinâmica da ESA; Arlindo Oliveira, presidente do IST; ou Chiara Manfletti, presidente da Agência Espacial Portuguesa.
Neste momento, no Laboratório de Plasmas Hipersónicos apenas está instalado o tubo de choque, mas Mário Lino da Silva revela que se pretende ainda desenvolver uma tocha-plasma para se testarem protecções térmicas. O projecto já foi apresentado à indústria e ao Gabinete do Espaço da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e falta o financiamento. Como grande objectivo final, há a concretização de um projecto 100% português em que se consiga fazer e lançar um pequeno veículo espacial de um foguetão – como da futura base espacial dos Açores, exemplifica o investigador – e que este volte à Terra. “Mostraria a maturidade do tecido empresarial e académico em Portugal e que somos competitivos.”