“Muito fumo, muita aflição e todos os braços eram poucos”
Temperaturas altas e ventos fortes favoreceram reacendimentos em Mação. Ao cair da noite, ainda havia focos de incêndio por controlar.
À medida que se aproximava o concelho de Mação, o céu límpido ia escurecendo progressivamente, alimentado pelas colunas de fumo provocadas pelo fogo que consumia a floresta da freguesia de Cardigos. Foi essa área do concelho de Mação, coberta essencialmente por pinheiro bravo e eucalipto, que durante a tarde desta segunda-feira ocupou as centenas de operacionais que chegaram a estar no terreno.
Ao início de um dia que começou calmo, o receio era de que o vento e o calor tornassem o cenário mais complexo. Algo que se confirmou, como explicou ao PÚBLICO o presidente da Câmara Municipal de Mação, Vasco Estrela. “Infelizmente foi o que aconteceu.” Tanto que, ao final da tarde, as chamas chegaram a aproximar-se de algumas das aldeias de Cardigos, como Roda, Chaveiro, Chaveirinho e Casais de São Bento. Houve vários reacendimentos de um incêndio que tinha chegado a acalmar durante a noite. E em vários pontos de Mação, a situação chegou a estar “muito difícil”. A esperança, afirmou Vasco Estrela, vinha novamente com a noite, que pudesse ajudar a controlar a parte ainda activa.
No briefing das 20h, na Sertã, onde está instalado o posto de comando, o comandante operacional Pedro Nunes referiu aos jornalistas que 70% da totalidade do incêndio que começou em Vila de Rei e se estendeu a Mação estava “em rescaldo”. Os restantes 30% continuavam activos, com uma frente repartida, sendo que o fogo “teve um comportamento extremo” durante a tarde.
De acordo com o INEM, citado pela Lusa, 39 pessoas foram assistidas nos últimos dias de fogos e há um ferido grave.
No pátio de sua casa, João Martins, de 66 anos, observava os terrenos em volta da sua aldeia, Casais de São Bento, onde nasceu e onde passa grande parte do tempo com a esposa. Contou ao PÚBLICO que houve um reacendimento ali perto por volta das 14h. Depois foi rápido. “Em duas horas e meia pôs-se aqui. Havia muito fumo, muita aflição e todos os braços eram poucos”, ilustrava, com a fuligem no polo a explicar-nos que dois desses braços foram os dele. A fase mais crítica para a pequena localidade de cerca de 25 habitantes já tinha passado quando falou ao PÚBLICO, mas ainda estava envolvida numa bruma ao final da tarde.
Idosos retirados
As pessoas mais idosas foram retiradas de suas casas pelas autoridades. Quem ficou esteve a auxiliar no combate, contou, sublinhando o apoio que tiveram. Na aldeia, muitas das casas tinham esta tarde as portas fechadas e estores corridos, mas algumas das mangueiras ainda espalhadas pelos pátios davam a entender que o fogo não andara longe.
Em Vila de Rei, o pior parecia já ter passado a meio da tarde, quando o vice-presidente da autarquia, Paulo César, falava ao PÚBLICO. Referia que não havia registo de reacendimentos nem de frentes activas. Também no município ardeu uma casa de primeira habitação, na aldeia de Vale da Urra, tendo ficado uma pessoa desalojada. Paulo César dava ainda conta de anexos, barracões e casas com danos parciais e estimava que tivessem ardido cerca de seis mil hectares do município. “Agora é fazer o rescaldo e o trabalho de vigilância”, esperando “que não haja nenhum reacendimento”.
“Estou habituado às rotinas do fogo. Nasci e fui criado aqui”, dizia João Martins, esboçando um sorriso, como se fosse óbvio que, de tempos a tempos, tem que voltar a lidar com a proximidade das chamas. A última vez até tinha sido há relativamente pouco tempo. Em 2017, o grande incêndio de Mação que consumiu cerca de 69% do território do concelho andou também ali por perto. Mas, desta vez, a resposta no terreno foi diferente, fez notar. Nota-se “mais assistência, mais aviso e mais protecção à população”, segundo João Martins. Desta vez, calcula Vasco Estrela, já arderam perto de 7 mil hectares.
António Neves, de 45 anos, passou o fim-de-semana em Chaveira, também na freguesia de Cardigos, onde moram os sogros. Vive em Lisboa, mas fala num sentimento de “desânimo” e numa “mancha verde que, aos poucos, está a ser dizimida”. Falou com o PÚBLICO ao início da noite, poucas horas depois de a frente de incêndio ter rondado a aldeia.
Apesar do dia difícil em Mação, Vasco Estrela mantinha o registo com iniciou o dia: arderam duas casas de primeira habitação no concelho, deixando um desalojado em cada. O autarca voltou a sublinhar que ao longo de sábado e de domingo “houve zonas onde não houve um bombeiro em aldeias que estavam cercadas”. Distingue também a expressão “operacionais no terreno”, o que inclui autoridades como o INEM, GNR ou elementos dos municípios, de bombeiros no terreno. Os números anunciados podem transmitir “uma sensação de segurança que pode não ser verdadeira”, defendeu.
Já o primeiro-ministro, por seu lado, disse que os autarcas são os “primeiros responsáveis pela Protecção Civil em cada concelho”: “Eu não faço comentários enquanto os incêndios e as operações estão a decorrer, e sobretudo não digo aos que são os primeiros responsáveis pela Protecção Civil em cada concelho, que são os autarcas, o que é que devem fazer para prevenir, através da boa gestão do seu território, os riscos de incêndio”, declarou aos jornalistas.
António Costa falava durante a inauguração de cinco unidades de saúde nos concelhos de Sintra e Amadora, no distrito de Lisboa. À margem, o governante foi questionado sobre o incêndio que deflagrou no sábado em Vila Rei e alastrou ao concelho vizinho de Mação, mas também sobre as críticas dos autarcas da zona, nomeadamente do vice-presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei, Paulo César, que disse que este concelho “está farto” de enfrentar chamas ano após ano e que o “Estado voltou a falhar” na prevenção do incêndio deste fim-de-semana. “O concelho está farto (…) de ver o Estado voltar a falhar às populações”, referiu, citado pela Lusa.
O chefe do executivo referiu que “o Governo tem estado, desde a primeira hora, a acompanhar a situação”, tanto ele próprio como o ministro da Administração Interna, o secretário de Estado da Protecção Civil, ou “as instituições do Estado sob a liderança da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil”. “Neste momento, é um momento deixar os profissionais fazerem o seu trabalho, com a grande dedicação com que estão a fazer, darem tudo por tudo para protegerem as pessoas, para salvarem os bens das pessoas, para protegerem a nossa floresta e, no final, falaremos”, respondeu António Costa.