Na Escola Teixeira de Pascoaes, os contentores duram, duram, duram...

Alunos têm aulas em contentores há mais de três anos e a situação deve manter-se, no mínimo, durante mais um ano lectivo. Câmara de Lisboa vai aproveitar o Verão para pequenas obras. Pais e professores lamentam tanta demora na resolução do problema.

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Daniel Rocha
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O filho de Rui Coelho da Silva acabou agora o quarto ano de escolaridade. Passou quase todo o ensino primário em condições precárias: a Escola Básica Teixeira de Pascoaes, em Alvalade, está parcialmente metida em contentores há três anos e não se vislumbra o fim dessa situação.

“Tudo o que podia correr mal tem efectivamente corrido mal”, desabafa Rui Lopes, professor coordenador da escola, no gabinete que simultaneamente é biblioteca escolar e armazém. É assim desde o princípio de 2016, quando se anunciou que a Teixeira de Pascoaes ia finalmente ter as tão necessárias obras de requalificação. Metade da escola foi fechada e os alunos passaram a ter aulas em contentores instalados no recreio. Na outra metade mantiveram-se activas seis salas de aula, mais uma que é reprografia, copa e sala de professores ao mesmo tempo.

As obras deviam ter começado ainda em 2016, só arrancaram em Setembro de 2017 e entretanto pararam devido a um diferendo entre a câmara de Lisboa e o empreiteiro, acusado pela autarquia (dona da escola) de mexer onde não devia e, por isso, despedido.

A metade da escola que já devia estar reabilitada parece saída de um filme de guerra. Uma laje do tecto está caída e partida ao meio, as paredes estão totalmente esburacadas e a vegetação cresce livremente. “Está ali o entulho amontoado há um ano e meio. Nem a obra avança nem retiram o entulho”, queixa-se Rui Lopes.

O coordenador congratula-se por, nos últimos anos, ter conseguido manter a confiança dos encarregados de educação, mas diz não saber por quanto mais tempo é sustentável o arrastar da situação. “Havia o receio de que não viessem mais alunos e que os que cá estavam pedissem transferência, mas não. Mesmo com poucas condições físicas, temos conseguido manter o nível. Continua a ser uma escola muito procurada e nem sequer conseguimos dar vazão à procura”, comenta.

Depois de rescindir o contrato com o anterior empreiteiro, a câmara avaliou o estado dos trabalhos e fez uma revisão de projecto. Manuel Salgado, vereador do Urbanismo, aponta o recomeço das obras para Novembro, mas na comunidade escolar ninguém acredita. “Em Novembro é pura e simplesmente impossível”, diz Rui Lopes, lembrando o tempo que demora a concluir-se um concurso público – que ainda nem foi lançado.

“Porque é que não é permitido o ajuste directo nesta obra?”, questiona Rui Coelho da Silva, presidente da associação de pais. “Existe alguma complacência, como se fosse normal não haver condições físicas. É incrível como em 2019, quase 2020, se aceita isto como normal.”

Rui Silva está quase a abandonar a liderança da associação de pais porque o seu filho também está a sair da escola. Ao longo de quatro anos foram muitas as situações complicadas, mas ainda assim houve “um espírito positivo” que pode esgotar-se. “As salas chegaram a ter 38 graus de temperatura lá dentro. Houve chuva torrencial dentro das salas de aula. A água escorria pelas paredes para as caixas de electricidade”, recorda o dirigente.

“Temos tentado ser positivos e vamos continuar”, diz Rui Coelho da Silva. Nos últimos anos, a associação de pais encarregou-se das actividades extracurriculares (AEC) e da componente de apoio à família (CAF), tendo obtido um reconhecimento generalizado de pais e alunos. Os encarregados de educação consideram agora que é chegado o tempo de fazer mais. “Estamos a reunir assinaturas para um abaixo-assinado”, adianta o presidente da associação, referindo que o documento será dirigido ao Ministério da Educação. “O sistema não pode permitir que isto aconteça. Aulas com 38 graus? Inundações com água nos pés? Isto é de terceiro mundo. Crianças nesta situação são vítimas de desigualdade. Como é que há uma compensação para estas crianças?”, argumenta.

Há ainda outros problemas. Com a instalação dos contentores no recreio, os cerca de 300 alunos perderam grande parte do espaço para brincar. “E quando chove, o recreio é no corredor [interior]. Está ver o que é ter 300 miúdos ali dentro…”, comenta Rui Lopes. Perderam também casas de banho, que agora são só duas em toda a escola. “A intensidade de uso faz com que se partam sanitas, maçanetas, canalizações. As casas de banho entopem à média de uma vez por mês”, diz o coordenador.

Prejudicados ficaram também os meninos do jardim-de-infância, inaugurado em 2011 nas traseiras da escola. “Os miúdos ficaram reduzidos a metade do espaço de recreio, o que tem os seus constrangimentos porque ainda são 75”, afirma Rui Lopes.

Pedro Aparício é pai de uma menina no jardim-de-infância e está preocupado com o arrastar da situação: quando a filha chegar ao primeiro ano da escola básica, a Teixeira ainda estará em obras? “Passámos um ano lectivo inteiro em que a câmara não fez rigorosamente nada”, acusa Aparício, que tem sido presença assídua em reuniões da assembleia municipal para pressionar os deputados e o executivo. “Eu não percebo como é que um processo como este não tem na dianteira o presidente da câmara”, diz.

Do gabinete do vereador da Educação, o bloquista Manuel Grilo, chega a informação de que, enquanto as obras a sério não recomeçam, a escola vai ter “uma beneficiação geral durante as férias de Verão” para corrigir algumas patologias mais graves e dar-lhe outro ar. Rui Coelho da Silva lamenta que só agora seja feita, Pedro Aparício chama-lhe “medidas de cosmética”.

O propósito das obras na Teixeira de Pascoaes era reabilitá-la e recuperar o desenho original do arquitecto Ruy Athouguia, reconhecido internacionalmente como exemplo de escola-modelo. “Sempre vieram estudantes de arquitectura, até de países nórdicos, para estudar o edifício”, lembra Rui Lopes.

O programa Escola Nova, criado em 2008 por António Costa para renovar os 93 estabelecimentos de ensino geridos pela câmara de Lisboa, tem conhecido sucessivos atrasos. Fernando Medina chegou a apontar para 2017 a conclusão do programa, mas neste momento, segundo o site da autarquia, há 15 obras em curso, 15 à espera de projecto, 3 à espera de concurso para obras e 18 em fase de projecto preliminar. Já foram feitas 80 intervenções.

Recentemente, a câmara aceitou passar a gerir 32 escolas do 2º e 3º ciclos e do secundário que até aqui eram responsabilidade do Estado. O vereador da Educação, Manuel Grilo, votou contra.

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