Eleição de Von der Leyen para a UE ameaça romper Governo italiano
As tensões dentro da coligação entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga estão a tornar-se insuportáveis. A questão europeia é um potencial factor de ruptura.
A política italiana é um folhetim. A ruptura da coligação governamental volta a parecer iminente. “A fase política que estamos a viver é convulsa”, escreve um editorialista. O problema é que estes juízos e frases se sucedem a um ritmo regular desde há meses. Quase todos os dias os dois chefes aliados, Luigi Di Maio, do Movimento 5 Estrelas (M5S), e Matteo Salvini, da Liga, se atacam directamente. Dentro de uma aliança de contrários, os dois partidos mobilizam as suas bases com discursos de “oposição” às políticas do seu Governo. Até agora foi “teatro”. Hoje, a corda pode partir.
Se a ruptura parece inevitável, a data é um mistério. Não depende apenas da vontade dos sócios mas de cálculos eleitorais. Há um pormenor relevante: para haver eleições antecipadas no fim de Setembro, a ruptura da coligação deveria ocorrer até segunda-feira, dia 22. O Presidente Sergio Mattarella não quer eleições em Outubro, dada a necessidade de aprovar o orçamento e a grave situação económica do país.
Salvini tem estado sob grande pressão por causa do escândalo Russiagate italiano. Um membro da Liga, amigo de Salvini, teve uma reunião em Moscovo para montar um negócio de petróleo cujo lucro, 60 milhões de dólares, se destinaria à campanha na Liga nas eleições europeias. A reunião foi gravada. Há muitas suspeitas mas (ainda) não há provas da concretização do negócio nem do envolvimento directo de Salvini.
As intromissões russas preocupam os aliados. O primeiro-ministro, Giuseppe Conte, irá ao Senado esclarecer o assunto. Escreveu numa carta ao La Repubblica: “Esta intervenção será uma oportunidade para reafirmar ao Parlamento a nossa colocação geopolítica e para confirmar a minha mais profunda sensibilidade na tutela da nossa segurança e da soberania nacional.” É uma demarcação de Salvini, abertamente filo-russo.
O tema com mais potencial de ruptura é, inesperadamente, a eleição de Von der Leyen. A Itália queria o comissário da Concorrência na nova Comissão Europeia e Salvini exigia ser ele a designá-lo. Tanto Conte como Di Maio sublinharam que a Liga, ao votar contra Ursula von der Leyen, isolou a Itália e prejudicou os seus interesses. Salvini responde que a eleição da “candidata de Merkel, Macron e Berlusconi” é que foi “um acto gravíssimo”.
O “plano B”
O único partido que tem a ganhar com eleições antecipadas é a Liga, que lidera as sondagens (35%) e que, aliada aos Irmãos de Itália (extrema-direita), poderia alcançar a maioria absoluta. Ao contrário, o M5S perdeu metade dos eleitores, estagnando nos 17,5%. O Partido Democrático (PD, centro-esquerda) mantém-se nos 23,5%. Di Maio precisa de evitar eleições a todo o custo.
Que faz hesitar Salvini? É o risco de Mattarella nomear um “governo institucional” para completar a legislatura. Salvini não pode suportar a ideia de ir para a oposição. É o seu papel no governo, em que funciona como “comandante”, que lhe dá uma extraordinária exposição mediática, alavanca da sua popularidade. Conhece a máxima de Giulio Andreotti: “O poder só desgasta quem o não tem.”
O fantasma da Liga é que é aritmeticamente possível uma maioria alternativa, do M5S com o PD. Esta aliança é politicamente inverosímil, mas força Salvini a pensar duas vezes. Ele declara que, desde a eleição de Von der Leyen, o “PD e o M5S já estão juntos na UE.” Falam alguns numa “conspiração” da UE para forçar um governo “Conte bis” – com Conte e sem Salvini.
O “ribaltone” – nome que os italianos dão a uma mudança oportunista de maioria – pode não ser “ficção científica”, sublinha o diário digital Linkiesta. O PR poderia tomar a iniciativa de um “governo de transição institucional”, com apoio do M5S, do PD e outra esquerda. E Berlusconi. Corre o nome de Mario Draghi, que em breve deixará o BCE. A imaginação não tem limites.
Voltemos aos actores. “Se Salvini quer a crise do governo que o diga claramente”, desafiou ontem Di Maio. “Perdeu-se a confiança, mesmo a pessoal”, respondeu Salvini. Como se diz no jargão diplomático, “todos os cenários estão em cima da mesa”.