Marcelo vetou lei do lobbying

O Presidente da República vetou o diploma sobre lobbying apontando-lhe “três lacunas essenciais”. E promulgou com algumas críticas, duas leis do pacote da transparência: o regime de exercício de cargos públicos e políticos e o estatuto dos deputados.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

O Presidente da República promulgou na sexta-feira, com algumas críticas, duas leis do pacote da transparência, o regime de exercício de cargos públicos e políticos e o estatuto dos deputados. No texto em que anunciou estas promulgações, na página da Presidência na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa escreve que “se poderia ter ido mais longe” no regime do exercício de funções por titulares de cargos públicos e alto cargos públicos.

Saudou, porém, o “alargamento do princípio de exclusividade de funções, embora ainda não completo, e a salutar ampliação das obrigações declarativas a outras entidades”.

Quanto à alteração do Estatuto dos Deputados, o Presidente recorda a sua “posição pessoal, radical, em matéria de exclusividade, impedimentos e conflitos de interesses” e lamenta que o estatuto não seja “plenamente harmonizado” com a outra lei. E dá como um dos argumentos para a promulgação o facto de “menos de 8% dos deputados” terem votado contra as alterações ao estatuto dos deputados, aprovadas em Junho pela Assembleia da República.

As alterações ao estatuto dos deputados foram aprovadas, em 7 de Junho, com os votos a favor do PS, PCP, BE, PEV e PAN, votos contra do CDS e a abstenção do PSD e do deputado socialista Ricardo Bexiga. Já as mudanças no regime de incompatibilidades e impedimentos tiveram os votos favoráveis do PS, PSD, PCP e PEV, o voto contra do CDS e a abstenção do PAN e de Ricardo Bexiga.

Com a lei promulgada pelo Presidente, o registo de rendimentos, património e interesses passa a ter um modelo único, que ficará depositado no Tribunal Constitucional, segundo a lei que aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

Actualmente, eram dois modelos, um de interesses, para os deputados, entregarem na Assembleia da República, e um segundo, de património e rendimentos, a entregar no Tribunal Constitucional. Além dos deputados, já eram abrangidos por esta “obrigação declarativa” o Presidente da República, Governo, autarcas, gestores públicos, de empresas participadas pelo Estado ou administradores de entidades públicas independentes.

Agora, passam a estar abrangidos os candidatos a Presidente da República, juízes do Tribunal Constitucional, magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e Provedor de Justiça. Nas alterações ao estatuto dos deputados, prevê-se a possibilidade de perda do mandato a quem “culposamente” não fizer o registo de rendimentos, património e interesses. A mesma sanção de perda de mandato é aplicada ao deputado se, detectada uma incompatibilidade, ele não corrigir a situação.

Marcelo veta diploma sobre lobbying apontando-lhe “três lacunas essenciais"

No texto que anunciou as promulgações de duas leis do pacote da transparência, o regime de exercício de cargos públicos e políticos e o estatuto dos deputados, o chefe de Estado anunciou também o seu veto ao diploma do parlamento que regula a actividade de lobbying em Portugal apontando-lhe “três lacunas essenciais”, em particular o facto de “não prever a sua aplicação ao Presidente da República”.

Este veto foi noticiado pelo Expresso e divulgado oficialmente através de uma nota publicada à meia-noite no portal da Presidência da República na Internet. O decreto agora vetado “aprova as regras de transparência aplicáveis a entidades privadas que realizam representação legítima de interesses junto de entidades públicas e procede à criação de um registo de transparência da representação de interesses junto da Assembleia da República”.

Foi aprovado em votação final global no dia 7 de Junho com votos favoráveis de PS e CDS-PP, com a abstenção do PSD e votos contra de BE, PCP, PEV, PAN e do deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira. Esta legislação foi acordada na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas a partir de projectos de lei de CDS-PP, PS e PSD.

Marcelo Rebelo de Sousa vetou esta lei “considerando que três lacunas essenciais, em particular o facto de o diploma não prever a sua aplicação ao Presidente da República”, de acordo com a nota divulgada no portal da Presidência da República na Internet, que remete também para uma carta enviada ao presidente da Assembleia da República.

Nessa carta dirigida a Ferro Rodrigues, com a data de sexta-feira, o Presidente da República contesta ainda “a total omissão quanto à declaração dos proventos recebidos pelo registado, pelo facto da representação de interesses” e o facto de a lei “não exigir a declaração, para efeitos de registo, de todos os interesses representados, mas apenas dos principais”.

O chefe de Estado começa por referir, no entanto, que vê com apreço a iniciativa do parlamento de impor transparência à existência de “grupos de pressão organizados” que têm “os seus representantes devidamente remunerados” e actuam “para influenciarem acções ou omissões dos titulares dos cargos políticos e de outros cargos públicos”.

“Não obstante, três lacunas essenciais justificam que não possa proceder agora à respectiva promulgação”, acrescenta, pedindo aos deputados que procedam “à sua reapreciação, ainda antes do termo desta legislatura, atendendo às três específicas objecções formuladas e correspondentes aditamentos sugeridos”. Para Marcelo Rebelo de Sousa, “mais importante é a terceira omissão”, quanto ao âmbito de aplicação da lei. “No âmbito da aplicação deste decreto deverão incluir-se também o Presidente da República, as suas Casa Civil e Casa Militar, assim como os representantes da República nas regiões autónomas e respectivos gabinetes”, defende.

O Presidente da República argumenta que “tal decorre de identidade de razões e, desde logo, do regime já vigente da aplicação dos impedimentos respeitantes a todos os titulares de cargos políticos” e que “carece de sentido haver tal identidade de regime legal e ele não existir para o controlo da representação de interesses”. “Deve, pois, alargar-se o âmbito de aplicação do presente decreto e prever-se a criação de regime específico na Presidência da República, idêntico ao consignado para a Assembleia da República e abrangendo os representantes da República nas regiões autónomas”, insiste.

A polémica sobre a lei do lobbying, no debate na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência, no parlamento, também andou em torno de uma das questões agora abordadas pelo Presidente na justificação do veto. Segundo a lei, as empresas de representação de interesses passam a ter de se inscrever no chamado registo de transparência da representação de interesses da Assembleia da República, “público e gratuito”, disponível online.

Além de Assembleia da República, a legislação aplica-se ao Governo e respectivos gabinetes, governos regionais, órgãos da administração directa e indirecta do Estado, entidades administrativas independentes, entidades reguladoras e os órgãos autárquicos.

Na comissão, foi controverso o facto de as empresas de representação de interesses, ou lobistas, não serem obrigados a fazer a uma declaração de património e de rendimentos. Mas a maior polémica foi por ter desaparecido da lei a obrigatoriedade de as entidades que fazem a representação de interesses terem de declarar, quando marcam audiências, quem estão a representar. Na especialidade, esta norma teve os votos contra do PSD, BE e PCP. O PSD alegou que o dever de publicitação pode ficar garantido através do dever, por parte de entidades oficiais, da divulgação das reuniões, data e agenda desses encontros.

Presidente da República usou o veto político pela 15.ª vez

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, usou na sexta-feira o veto político pela 15.ª vez nos três anos e quatros meses em funções, devolvendo ao parlamento a lei que regula a actividade de lobby.

Desde que tomou posse, em 9 de Março de 2016, o chefe de Estado ainda não recorreu ao Tribunal Constitucional, mas vetou três decretos no primeiro ano de mandato, dois em 2017, seis em 2018, e quatro em 2019, até agora. Quinze, no total, quatro dos quais do Governo.

Em Janeiro de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa definiu-se como um Presidente que não recorre frequentemente ao Tribunal Constitucional como “uma espécie de defesa”, mas que exerce “sem complexo nenhum” o veto político, perante fortes divergências.

Em Março de 2018, ao completar dois anos em funções, considerou que tem havido “um número muito pequeno de vetos” face à quantidade de diplomas que lhe chegaram e descreveu o seu relacionamento com os outros órgãos de soberania como “muito pacífico, mais do que pacífico, muito cordial”.