Imposto sobre tecnológicas cria nova frente na guerra comercial

Cansada das hesitações europeias, a França avançou para a aplicação de uma taxa especial sobre empresas como a Google, Apple ou Facebook. Os Estados Unidos ameaçam responder com mais taxas alfandegárias.

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Imposto digital pode afectar relações entre os EUA e a França Reuters/JIM BOURG

A aprovação pela França de um imposto sobre as maiores empresas mundiais do sector tecnológico, decidida esta quinta-feira pelo Senado, ameaça tornar-se o mais recente motivo para a imposição pelos Estados Unidos de taxas alfandegárias mais altas sobre a Europa, em mais uma escalada do cenário de guerra comercial ao nível mundial.

A votação favorável do Senado francês já era esperada. O Presidente francês, Emmanuel Macron, fez da introdução de um imposto específico sobre os gigantes tecnológicos – também conhecido como o imposto GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon) – uma das prioridades da sua governação. A ideia inicial era avançar com um imposto à escala europeia, que conseguisse colocar as grandes plataformas tecnológicas globais, como a Google, Facebook, Apple ou Amazon, a dar o seu contributo para o financiamento dos Estados, num cenário em que a tributação normal não consegue atingir a totalidade dos rendimentos gerados por estas empresas. De acordo com os cálculos da Comissão Europeia, as grandes empresas tecnológicas suportam em média uma taxa efectiva de imposto de 9,5%, um valor que contrasta com os 23% pagos em média pela generalidade das empresas.

O entendimento a nível europeu, no entanto, não foi atingido. Países como a Irlanda, Suécia, Malta e mesmo Alemanha manifestaram reservas relativamente à forma como está definida a proposta, temendo em particular os efeitos que uma decisão unilateral da UE de aplicação de um imposto possa ter no investimento dessas empresas nos seus próprios países. Portugal colocou-se entre os países favoráveis à proposta, sugerindo a taxa como uma das formas de diversificar as receitas do orçamento da UE.

No final, a proposta que tinha sido feita pela Comissão Europeia não passou e a França – claramente o país que mais entusiasmo tem revelado com a ideia – decidiu avançar sozinha. A aprovação do Senado significa que as empresas tecnológicas globais com receitas anuais superiores a 750 milhões de euros passam a ficar sujeitas a uma taxa de 3% sobre os rendimentos gerados com os utilizadores franceses. A expectativa das autoridades francesas é que as receitas fiscais obtidas com esta medida possam ascender aos 500 milhões de euros por ano.

O problema pode estar agora na reacção dos Estados Unidos. A grande maioria das empresas visadas por esta medida são norte-americanas e, na Casa Branca, a nova taxa lançada pela França é vista como um ataque directo a uma das principais forças da economia dos EUA.

Como tem acontecido com quase todos os conflitos económicos, a resposta da Administração Trump passa pela aplicação de mais taxas alfandegárias. Na quarta-feira, um dia antes da data agendada para a votação da proposta no Senado francês anunciou o lançamento de um inquérito para averiguar se o plano francês de imposição de uma taxa às grandes empresas tecnológicas norte-americanas constitui uma prática comercial injusta.

Este tipo de inquéritos é usado para decidir se existem razões para retaliar, provavelmente através do agravamento de taxas alfandegárias.

Está assim em curso mais um episódio das crescentes tensões comerciais entre os EUA e a União Europeia. Desde o início do seu mandato, Donald Trump tem acusado publicamente a Europa de práticas comerciais injustas em relação aos EUA, dando frequentemente o exemplo do sector automóvel e citando frequentemente os números do défice comercial norte-americano face à UE.

Um aumento de taxas alfandegárias sobre produtos europeus foi evitado no ano passado com uma visita de urgência do presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, a Washington. Contudo, as tréguas acordadas ficaram dependentes de um acordo posterior que ainda não se concretizou e o Presidente norte-americano não tem tido dúvidas em deixar no ar diversas ameaças de aplicação de taxas alfandegárias mais penalizadoras à Europa, especialmente no que diz respeito às exportações de automóveis.

A Alemanha, pelo peso das suas exportações (principalmente de automóveis) para os Estados Unidos, seria um dos países com mais a perder com a escalada de um conflito comercial entre os dois blocos, estando mesmo já a sentir nos últimos meses os efeitos da incerteza em relação ao futuro das relações comerciais. Por isso, vê com maus olhos o impacto que a decisão francesa de lançar uma tributação especial sobre empresas tecnológicas possa vir a ter nas frágeis relações comerciais entre EUA e UE.

Do lado francês, não há, todavia, sinais de cedência, “A França é um país soberano, as suas decisões em assuntos fiscais são soberanas e continuarão a sê-lo”, afirmou, antes da decisão do Senado, o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire.

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