Luedji Luna: Vitória de Bolsonaro “é o reflexo dos avanços que as minorias conquistaram”

Voz orgulhosa da negritude brasileira, estreia-se em Portugal esta quinta-feira, começando no B.Leza uma digressão nacional.

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Luedji Luna Tássia Nascimento

É uma das vozes da nova geração de músicos brasileiros e é, em simultâneo, o rosto de uma negritude intrínseca ao Brasil de hoje e de sempre. Luedji Luna, nascida em Salvador da Bahia, a 25 de Maio de 1987, actua por estes dias pela primeira vez em Portugal, apresentando o seu primeiro álbum, a que deu o sugestivo título de Um Corpo no Mundo, numa referência à diáspora africana. Começa em Lisboa, esta quinta-feira (B.Leza, 22h), seguindo no sábado para o Porto (Casa da Música, 22h), e depois para a Madeira (dia 17, Estalagem Ponta do Sol) e Sines (dia 19, Festival de Músicas do Mundo).

O seu nome, Luedji, foi escolhido pelo pai, que é historiador, após a leitura de um romance de Pepetela, Lueji – O Nascimento de um Império. Já Luna foi um nome artístico escolhido por ela, aos 25 anos (hoje tem 32): “Eu tinha muita dificuldade de ser chamada correctamente pelo meu nome. Ao mesmo tempo, envolvi-me com o ocultismo (a adolescência é meio estranha), não tinha religião e li pela primeira vez um livro sobre bruxaria e o poder do sagrado feminino. Foi a primeira vez que ouvi falar em matriarcado. Luna era o nome da bruxa e cá estou eu, Luna, há uns anos.”

Milton, Djavan, Melodia

A música está na sua vida desde cedo. “Um tio tinha uma banda de reggae, o meu pai escutava muito reggae e tocava aos finais de semana, então a gente tem uma relação com a música muito forte, mas ninguém vivia da música. Tudo muito amador, mas muito presente. Por isso a educação musical que tenho vem de casa: muito Djavan, muito Luiz Melodia, muito reggae. Essa memória afectiva atravessa meu trabalho.”

Influências? “Fundamentalmente a música preta brasileira, que bebe da música preta norte-americana, o Milton, o Djavan, o Luiz Melodia, esse tripé. E a música feita na Bahia, porque Salvador é muito musical, tão no corpo, no jeito que a gente fala, que a gente se expressa, que a gente dança.” Isso a par do que ouviam os progenitores: “O meu pai ouvia muita música de África, mas também Tracy Chapman, a minha mãe já ia para o jazz, Etta James, Sarah Vaughan, era muito a música negra do mundo.”

Essa herança reflecte-se no que hoje faz: “Tudo isso vem muito forte na minha música e no disco, tanto que ele é pensado a partir da percussão. O meu produtor [Sebastian Notini] é sueco, mas está radicado na Bahia há mais de dez anos, já é mais baiano que eu. É baterista e percussionista, filho de um baterista de jazz, mas toca também com pulsão, fez pesquisa dos ritmos africanos e afro-baianos. Ter um produtor com uma mentalidade mais percussiva fez com que o disco tivesse essa rítmica.”

Um Corpo no Mundo foi lançado no Brasil no Outubro de 2017, em 2018 no Japão e este ano na Europa. Antes, Luedji tinha coisas avulsas na Internet, onde começou.

“Continuo sendo negra”

A eleição de Jair Bolsonaro é vista por Luedji de forma clara, mas muito peculiar: “A gente está num contexto político muito complicado. Mas a vitória desse presidente, que não é o meu presidente, mas é o actual presidente, é o reflexo dos avanços que as minorias conquistaram durante esses anos, por pressão dos movimentos sociais.” Na música brasileira, por exemplo, Luedji diz que há hoje “outras referências de cantoras”: “A gente tem cantora negra, compositora negra, trans, gay, etc. A gente encontrou brechas no governo anterior para conseguir se espraiar, ter visibilidade, para pautar a nossa arte pelo que é necessário e precisa ser dito. Então como reacção (‘esse país tá muito preto, muito gay’), isso começou a gerar um incómodo numa categoria do Brasil que sempre existiu. O racismo sempre existiu, o neo-nazismo e a LGBT-fobia também, mas eles não deram conta do nosso avanço. É mais resposta do que vitória.”

“As pessoas ficaram com um sentimento de muito temor, emigrando, querendo sair do Brasil”, analisa. “Mas eu, enquanto mulher preta, mesmo nos anos de um governo de esquerda que beneficiou a população negra e de baixa renda no Brasil, continuo sendo negra. A história do Brasil assenta na escravidão, e nesses 400 e poucos anos esse povo resistiu, só mudou o nome do algoz. Eu tenho tecnologias de subversão e de resistência porque é a minha história, não é novidade para mim essa violência. A cada três minutos, um jovem negro é morto no Brasil. E, no entanto, a gente está lá.”

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