Ir à história de Serralves e voltar, sem nostalgia
O Museu de Serralves inaugura esta quinta-feira a exposição comemorativa dos 30 anos da Colecção e da Fundação. Uma história da arte contemporânea, contada do ponto de vista “da cidade e do país”, diz o director Philippe Vergne.
É mais uma exposição com base na Colecção de Serralves. Mas esta tem uma motivação especial – festejar mais um número redondo na história da instituição, os 30 anos da colecção, contados a partir da data (27 de Julho de 1989) em que em Diário da República foi publicado o decreto-lei que instituiu a Fundação de Serralves.
Viagem ao princípio: ida e volta. 30 anos da Colecção de Serralves, que esta quinta-feira abre ao público, é a nova exposição que irá atravessar o Verão e entrar pelo Outono (fica até 3 de Novembro), espalhando-se, nestes primeiros dias, pelo Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS), mas também pela Casa e pelo Parque da fundação, e estendendo-se depois aos Paços do Concelho do Porto e ao Terminal de Cruzeiros de Leixões, em Matosinhos.
A exposição resulta do trabalho da equipa curatorial de Serralves – Marta Almeida, Isabel Braga e Ricardo Nicolau –, mas as honras da apresentação aos jornalistas, esta quarta-feira, couberam ao novo director do MACS, o francês Philippe Vergne. “Esta é uma colecção única, jovem, radical”, disse Vergne, confessando o seu “entusiasmo” por estar agora a ver de perto e ao vivo algo que só conhecia das publicações e das imagens online que lhe iam chegando.
“Não se trata, aqui, de uma colecção de troféus, mas de escolhas e de ideias; esta colecção é um mapa para ler o passado e projectar o futuro”, acrescentou o ex-director do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles (MOCA). Ao PÚBLICO, Vergne diria ainda que vê na Colecção de Serralves a marca da cidade e do país: “É uma colecção que se nota que foi construída a partir do Porto e de Portugal; há nela uma tradição literária que, de uma maneira ou de outra, está sempre presente.” E referiu também o “prazer” que sente ao ver nela criações que o ajudam a “compreender as últimas décadas do século XX”, citando algumas das obras expostas na sala onde falava aos jornalistas, como o montículo de carvão de Reiner Ruthenbeck (Ascheaufen 1 – mit Latten, 1968), a vedação de Miroslav Batka e Luc Tuymans (The Fence, 1998), o “inventário de objectos do quotidiano de uma velha senhora de Baden-Baden” (Christian Boltanski, 1973), ou mesmo a tela de Julião Sarmento Dias de escuro e luz (1990).
Antes de guiar os jornalistas por algumas das salas do museu, Marta Almeida, directora-adjunta do MACS, lembrou que a escolha da centena de obras que constitui a exposição teve em conta peças do núcleo seminal ainda reunido pela equipa de Fernando Pernes, outras que foram criadas especificamente para a Casa e para os jardins, antes ainda da construção do edifício de Álvaro Siza, e obras que aqui seriam depois estreadas, ao lado de outras adquiridas a partir das grandes exposições individuais que foram fazendo a história do Museu de Serralves.
Apesar da visível narrativa histórica que Viagem ao princípio: ida e volta encena, Ricardo Nicolau recusou que ela assente numa visão nostálgica do passado. “Para montarmos esta exposição, tentámos recorrer à nossa memória, certamente um bocadinho nostálgica, mas evitando sempre cair na nostalgia”, disse o curador, que depois encaminhou os visitantes para instalações que trabalham as ideias do arquivo e da memória, como a de Mariana da Silva (Arquivo para a permanência da imagem, modelo funcional, 2008), uma mesa com moviolas que permitem o visionamento de pequenos filmes em Super 8mm com testemunhos do pós-25 de Abril de 1974; ou a de Mathieu Kleyebe Abonnenc (Ça va, ça va on continue, 2012), um filme em dupla projecção sobre a comunidade negra da cidade do Porto, quando ela era ainda quase inexistente.
Isabel Braga assinalou a presença de obras e artistas que não só integraram o referido núcleo fundador do MACS, como Álvaro Lapa, António Dacosta ou Ângelo de Sousa, mas também de nomes estrangeiros a eles associados na grande exposição-manifesto Circa 1968, que, em 1999, assinalou a inauguração do museu, quando este era dirigido por Vicente Todolí. O norte-americano Richard Serra (autor, entre outras obras, da peça dupla Andar é medir, de 2000, uma das esculturas no parque), o francês Christian Boltanski e o sérvio Dimitrije B. Mangelos estão entre esses nomes.
Já na antiga villa do Conde de Vizela, o visitante pode (re)ver obras criadas em diálogo directo com a sua arquitectura art déco por artistas como os norte-americanos Richard Tuttle e Nick Mauss ou os portugueses Pedro Barateiro e Albuquerque Mendes. É de resto deste último a peça Tango, concebida especificamente para a Casa (e depois integrada na colecção), onde o artista-performer repetirá na noite da pré-inauguração, esta quarta-feira, a performance realizada nos anos 80.