Governo de Hong Kong diz que a lei da extradição está “morta”, críticos insistem na sua retirada

Chefe do governo local assumiu “completo fracasso” da polémica legislação e anunciou a criação de um comité independente para investigar a actuação da polícia nos protestos. Oposição, insatisfeita com a formulação usada por Lam, quer retirada imediata da lei.

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Carrie Lam, líder do governo de Hong Kong Reuters/TYRONE SIU

A chefe do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, anunciou que a lei da extradição, que esteve na origem da onda massiva de protestos no território nas últimas semanas, está “morta”. Lam não esclareceu, no entanto, se a polémica legislação vai ser totalmente retirada, conforme exigido pelos manifestantes, pelo que a sua intervenção, esta terça-feira, não foi recebida com grande entusiasmo junto dos seus críticos.

“Considero a lei da extradição morta”, disse Carrie Lam numa conferência de imprensa onde assumiu que os trabalhos de preparação da medida foram “um completo fracasso”. A chefe do governo de Hong Kong assumiu “total responsabilidade” pela crise, mas não atendeu às principais revindicações dos manifestantes – a sua demissão e retirada imediata e definitiva da lei – e pediu “uma oportunidade, tempo e espaço” para devolver Hong Kong ao normal.

Lam já tinha anunciado a suspensão, de forma indeterminada, dos trabalhos de preparação da legislação em meados de Junho, tendo garantido, na altura, que essa decisão, somada aos poucos meses que distam até ao fim da legislatura – Junho de 2020 –, significava que o executivo não iria voltar a debruçar-se sobre ela, nem discuti-la com o Conselho Legislativo (parlamento local). “Quando esta legislatura acabar [a lei] vai expirar automaticamente”, afiançou.

Ora, para os seus críticos, tal formulação de palavras não garante o fim da legislação. Nem sequer com a promessa desta terça-feira, de que está “morta”.

“‘Oficialmente morta’ não é um termo jurídico nem político”, denuncia Lokman Tsui, professor de Jornalismo na Universidade Chinesa de Hong Kong, citado pelo Guardian. “Ainda não é certa a retirada [da lei], pelo que só podemos assumir essa realidade enquanto Lam não utilizar essas palavras concretas”.

“Queremos a retirada total da proposta de lei. Lam está a fazer jogos de palavras”, acusou Chan Wai Lam William, dirigente da associação de estudantes da mesma universidade, segundo a Reuters. Figo Chan Ho-wun, da Frente Civil de Direitos Humanos, também pediu a Carrie Lam para “não usar palavras que iludam as pessoas”.

A lei em causa permitiria, em caso de aprovação, que qualquer pessoa suspeita de cometer crimes pudesse ser extraditada para a China continental, onde seria julgada pelo sistema judicial chinês. A dependência e a relação estreita entre os tribunais chineses e o poder político são, para os milhões que se manifestaram em Hong Kong, motivos mais do que suficientes para acreditarem que a lei podia ser usada como instrumento de perseguição a opositores políticos do território, críticos de Pequim, deixando-os à mercê de uma justiça politizada que não garante a salvaguarda dos direitos civis e humanos.

Já os defensores da lei argumentam que, caso se mantenha a impossibilidade de extraditar suspeitos de crimes para a China, Hong Kong pode tornar-se num “refúgio para criminosos internacionais”

No seu discurso, esta terça-feira, a chefe do governo de Hong Kong dirigiu-se aos protagonistas dos protestos mais violentos das últimas semanas: “Temos que ouvir as gerações mais jovens e de diferentes sectores para saber o que pensam”, disse, anunciando a criação de “uma plataforma para um diálogo mais aberto” com universidades e estudantes.

O que aconteceu, reconheceu Lam, “mostra que existem problemas mais profundos que não devemos ignorar”.

Carrie Lam anunciou a criação de um comité de investigação independente para supervisionar a actuação da polícia durante os protestos que se verificaram na cidade no último mês e ainda o estabelecimento de uma plataforma para o diálogo com os opositores da lei.

“Vou publicar o resultado deste relatório para que todos saibam o que aconteceu durante o último mês, as pessoas que participaram, tanto os manifestantes quanto os policias, poderão fornecer evidências sobre o que aconteceu”, disse.

A transferência de Hong Kong e Macau para a República Popular da China, em 1997 e 1999, respectivamente, decorreu sob o princípio “um país, dois sistemas”, precisamente o que os opositores às alterações da lei garantem estar agora em causa.

Para as duas regiões administrativas especiais da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, sendo o Governo central chinês responsável pelas relações externas e defesa.