RD Congo: “Exterminador” condenado por crimes de guerra e contra a humanidade
Bosco Ntaganda dirigiu uma milícia responsável por crimes no conflito interétnico na República Democrática do Congo entre 2002 e 2003. Sentença decidida numa audiência futura.
O Tribunal Penal Internacional condenou nesta segunda-feira Bosco Ntaganda, comandante rebelde conhecido por “Exterminador”, por crimes de guerra e contra a humanidade na República Democrática do Congo, entre 2002 e 2003. É a conclusão de um julgamento que começou em 2015. A sentença será determinada numa audiência futura.
Conhecido pela sua brutalidade contra civis e soldados inimigos, Ntaganda, de 45 anos, foi condenado por 18 crimes de guerra e contra a humanidade, incluindo os de assassínio, violação, escravatura sexual e perseguição étnica.
Sem qualquer sinal de arrependimento e mantendo a sua inocência em tribunal, o antigo líder rebelde ouviu o presidente do colectivo de juízes do tribunal internacional, Robert Fremr, ler o acórdão que o condenava.
A acusação contra Ntaganda era composta por mais de oito mil documentos e provas, relatando massacres e as ligações do ex-líder rebelde com os mesmos. Provas que não fizeram com que Ntaganda deixasse, no ano passado, de se proclamar inocente. “Sou um revolucionário, não um criminoso”, disse, acusando os procuradores de apresentar “nada mais que mentiras” contra si. E garantiu que a alcunha pela qual era conhecido não se lhe aplicava.
“Certamente que grupos de direitos humanos e activistas que fizeram campanha por justiça e responsabilização para muitas das atrocidades cometidas no Congo nas últimas décadas verão este raro momento de justiça no contexto de muitas pessoas não serem responsabilizadas”, explicou o jornalista da Al-Jazira Malcolm Webb a partir de Nairóbi, no Quénia. “Mas outra coisa que os críticos irão sublinhar é que muitos dos grupos armados que operam no Leste do Congo têm ligações a pessoas poderosas — políticos em Kinshasa, ou nos vizinhos Uganda e Ruanda.”
O agora condenado era visto como um símbolo de impunidade em África. Em 2006, ficou com um mandado de detenção em seu nome por recrutamento e uso de crianças-soldados, mas o TPI, sediado em Haia, não tinha forma de o levar à justiça. Ntaganda continuou a sua vida na República Democrática do Congo, ora fazendo acordos de paz com o Governo ora opondo-se-lhe por interesses pessoais.
Em 1999, a República Democrática do Congo mergulhou num conflito interétnico, com milícias a disputarem o controlo de vastas porções do território nacional. Em causa estavam valiosos recursos minerais. No total, o conflito causou a morte a mais de 60 mil pessoas, com a maioria a serem mulheres e crianças. E populações de aldeias foram massacradas.
A milícia então liderada por Ntaganda, as Forças Patrióticas para a Libertação do Congo, foi responsável pelo massacre de aldeias inteiras. Uma delas foi a de Mongbawalu, na província de Ituri, onde se registou o assassínio de pelo menos 800 civis, dos quais muitas mulheres e crianças.
Em 2009, foi integrado no Exército regular do país como general, mas, dizem as Nações Unidas, elaborou um esquema de enriquecimento ilícito com a cobrança de taxas em minas controladas por soldados seus. Enriqueceu, mas acabou por ficar numa posição sensível à medida que o Governo de Kinshasa não lhe dava mostras de protecção, seja nacional seja internacional, e, em 2012, abandonou definitivamente as forças regulares.
Levou consigo cerca de seis centenas de soldados e formou uma nova milícia, a M23, em homenagem à data dos acordos de paz de 29 de Março de 2009. Deram-se duros combates entre os seus milicianos e as forças do Governo do Presidente congolês, Joseph Kabila, e cerca de 800 mil pessoas foram obrigadas a abandonar a suas casas no Kivu do Norte, próxima da fronteira com o Ruanda. O M23 chegou a conquistar a cidade de Goma, mas estava em desvantagem numérica e bélica no conflito.
Com a sua milícia à beira da derrota e sob ameaças dos seus próprios camaradas, o “Exterminador” entregou-se, para surpresa de tudo e todos, à embaixada dos Estados Unidos em Kigali, no Ruanda. Pediu para ser transferido e julgado em Haia. E assim foi. Dois anos depois começou a ser julgado por crimes de guerra e contra a humanidade, seguindo os passos de um outro líder rebelde, Thomas Lubanga, condenado, em 2014, a 14 anos de prisão efectiva pelo papel que teve no conflito interétnico.