Declarar a salvação do clima em Osaka, continuando a destruí-lo através do acordo UE-Mercosul
Os dirigentes políticos da UE continuam a demonstrar uma assombrosa capacidade de gestão do “status quo” limitada ao curto prazo, segundo o lema: seguir em frente, às cegas.
Mas que grau de hipocrisia é necessário para acabar de assinar, no contexto do G-20 em Osaka, uma declaração final conjunta que inclui o compromisso com as metas climáticas de Paris, e, na mesma altura, assinar, como fizeram os representantes da UE, um acordo de comércio livre com os países do Mercosul que tem consequências exactamente opostas, entre as quais:
- O desmatamento progressivo da floresta amazónica para dar lugar a monoculturas e pecuária intensiva;
- A perda da biodiversidade global;
- A expulsão de populações indígenas e o desrespeito pelo seu habitat;
- A maior abertura do mercado europeu a produtos agrícolas resultantes de monoculturas, com utilização intensiva de pesticidas e engenharia genética;
- A promoção do consumo de carne a custos irrisórios;
- A omissão dos impactos ambientais do aumento do transporte comercial entre a América do Sul e a Europa.
E, por outro lado, como se justifica um acordo comercial que envolve um Presidente brasileiro que nega publicamente padrões de direitos humanos aplicáveis na Europa e está pronto a ignorá-los no Brasil?
Para tranquilizar os agricultores europeus, que protestam contra o acordo por temerem significativas perdas, o comissário europeu para Agricultura já prometeu compensações financeiras da UE aos agricultores. Quer isto dizer: enquanto a indústria automobilística europeia vai poder poupar direitos aduaneiros – e assim aumentar os dividendos dos seus accionistas ou, por exemplo, minorar prejuízos financeiros resultantes de multas por manipulação fraudulenta de software –, aos cidadãos cabe pagar impostos para a UE compensar os agricultores.
Os dirigentes políticos da UE continuam a demonstrar uma assombrosa capacidade de gestão do “status quo” limitada ao curto prazo, segundo o lema: seguir em frente, às cegas.
Pelos vistos, não se sentem responsáveis pelas consequências da sua actuação a médio e longo prazo. E, de facto, a crescente destruição do planeta, o desinteresse dos cidadãos pela política e o aumento do populismo e das tendências nacionalistas vão afectar sobretudo as próximas gerações.
O que conta agora é assegurar os direitos e o poder adquiridos. Por isso, está a ser celebrado à pressão um “acordo histórico” e a passar-se à questão – supostamente muito mais importante – da distribuição de cargos em Bruxelas, em vez da imperativa procura de soluções para as questões fundamentais do futuro do nosso planeta, com o urgente empenho e criatividade.