Morreram na prisão e ninguém quis sepultá-los
Faleceram dentro dos estabelecimentos prisionais do estado do Texas e os corpos nunca foram reclamados. O sueco Håkan Ludwigson, a desafio do artista Lennart Grebelius, fotografou as sepulturas; juntos compilaram as suas histórias e editaram o fotolivro Unclaimed.
O cemitério Captain Joe Byrd, em Huntsville, é tão “triste e sinistro” quanto tantos outros, mas há uma característica que o distingue: nele jazem pessoas que não saíram vivas dos estabelecimentos prisionais do estado do Texas e cujos corpos nunca foram reclamados por familiares.
Os reclusos, vítimas mortais de doença episódica ou prolongada, de injecção letal ou cadeira eléctrica, foram sepultados numa área inferior a um quilómetro quadrado, desde meados do século XIX até aos dias de hoje. “As prisões do Texas registam, a cada ano, cerca de 450 mortos”, explica ao P3 Håkan Ludwigson, que, juntamente com o artista sueco Lennart Grebelius, documentou esta realidade para o fotolivro Unclaimed, lançado recentemente pela editora alemã Hatje Cantz. “As famílias deixam por reclamar cerca de 100.” Estima-se que serão, aproximadamente, três mil aqueles que hoje ocupam o cemitério de Peckerwood Hill, como também é conhecido o local.
São, diz, “pessoas nunca foram desejadas”: “Não seria de esperar que isso mudasse depois de morrerem.” Homens que desde muito cedo se tornaram números num sistema prisional, motivo pelo qual o fotógrafo sueco sentiu a necessidade de recuperar as suas identidades, separá-los dos restantes reclusos e devolver-lhes a individualidade após a morte. “Para isso, procurei isolar as campas onde descansam, uma vez que esse é praticamente o único vestígio de que alguma vez existiram.” Por detrás de cada lápide, Håkan colocou um pano negro, de forma a excluir o fundo que revelaria tantas outras campas de aspecto similar. “Para fotografar estas lápides, eu tive de me deitar, de barriga para baixo, sobre cada campa (...) Acho que muito pouca gente esteve tão perto deles em muito tempo”, graceja.
Num tom mais sério, o fotógrafo sueco observa que, durante a semana em que esteve a registar as lápides, não viu um só visitante. “Pode ter sido coincidência, mas não me parece. Acho que isso pode ser facilmente explicado pelo desinteresse da família por estes defuntos e também por questões de proximidade geográfica.” A extensão do estado do Texas corresponde a sete vezes a área de Portugal continental. “Alguns familiares teriam de vir de muito longe apenas para visitar este local”, elucida.
Nem todos os não-reclamados foram excluídos pelos seus núcleos familiares; devido ao elevado custo dos funerais nos EUA, muitas vezes os parentes optam deixar o encargo à conta do Estado. “O que é também muito revelador do background socioeconómico destes reclusos”, evidencia Håkan. “É muitas vezes a carência económica — e tudo o que isso implica — que está na génese do comportamento criminoso”, refere.
“É extremamente triste”
O Texas é o estado norte-americano onde mais frequentemente é aplicada a pena de morte. Ao todo, desde de que há registo, o sistema judicial texano já retirou a vida a 561 pessoas — e lidera, por isso, a lista dos estados com mais execuções, segundo dados da Death Penalty Information Center, organização não-governamental de Washington D.C. Em segundo lugar, a milhas de distância, está o estado da Virgínia, cujo sistema judicial é, até hoje, responsável por 113 execuções. De acordo com a organização não-governamental Prison Policy Initiative, o Texas é o sétimo estado a registar o maior número de reclusos per capita. E “muitos acabam mesmo por morrer na prisão”, refere o fotógrafo.
São os próprios prisioneiros que enterram os finados, que desenham nas lápides as inscrições relativas a cada recluso. “O dia que passam a fazê-lo é um dia feliz na vida de um recluso do Texas, por incrível que pareça. Qualquer alteração à rotina é bem-vinda para estes homens cujo quotidiano é uma infinita repetição.”
Nem sempre as inscrições que estão nas campas correspondem ao que está nos registos de cada um. “Existem várias razões para que isto aconteça”, explica Håkan. “Uma delas é a elevada rotatividade de prisioneiros a quem estão atribuídas as funções de manutenção do cemitério. Outra prende-se com o restauro de campas que se tornaram ilegíveis, que não são verificadas a posteriori pelos técnicos especializados. Por vezes, as lápides contêm inscrições do dia de morte, outras do dia em que foram, efectivamente, enterrados.”
As campas que contêm um “X” referem-se a prisioneiros que foram executados. Um “999” indica que morreram enquanto aguardavam no corredor da morte. “Os prisioneiros desenvolveram o seu código e a sua estética. Peckerwood é bonito, de uma forma muito própria. É tosco, é humano. Gosto particularmente das lápides em que a extensão das palavras foi mal calculada por quem redigia com o dedo.”
Nas últimas páginas de Unclaimed, uma tabela contém informação relativamente ao nome, idade, profissão, delito, duração e natureza da pena de cada recluso cuja campa foi retratada. “É um livro pesado, mas é comovente”, opina o sueco. “Folhear o livro e ver tantas sepulturas, uma após a outra, ajuda-nos a reflectir sobre o trágico fim de tantas pessoas. Pensar que mesmo após a morte ninguém os quis é extremamente triste.”