Costa Braz, por duas vezes quase candidato a Belém

Coronel entre capitães no 25 de Abril, redactor com Melo Antunes do manifesto O MFA e a Nação Portuguesa e membro do Grupo dos Nove. “Um homem sensato, moderado, cauteloso, em quem se podia confiar”, resume o general Garcia Leandro.

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O coronel Manuel Costa Braz, que morreu na manhã desta terça-feira aos 85 anos, no Hospital da Luz, em Lisboa, esteve, por duas vezes, para ser candidato a Presidente da República. Os acasos da História e as circunstâncias levaram a que o coronel, sobre quem Marcelo Rebelo de Sousa disse ao PÚBLICO ter sido “essencial” em momentos decisivos da institucionalização da democracia sem ter ocupado lugares de ribalta, não tivesse sido o primeiro Presidente da República eleito pós 25 de Abril.

A 25 de Novembro de 1975, Portugal vive no limiar de uma guerra civil. Os moderados vencem as “esquerdas militares” e é ainda com o recolher obrigatório em vigor na Região Militar de Lisboa, que o Presidente Costa Gomes e figuras do “Grupo dos Nove” – sector das Forças Armadas liderado por Melo Antunes que no Verão Quente se opôs ao Processo Revolucionário em Curso - visitam o Regimento dos Comandos na Amadora. A recebê-los estão dois homens de camuflado: Jaime Neves, comandante da unidade, e Ramalho Eanes, com óculos de lente escuras e pronunciadas patilhas, o estratega da resposta militar vitoriosa.

“Havia várias opiniões sobre quem devia ser Presidente da República [as eleições eram a 27 de Junho de 1976]. Um grupo pretendia que fosse Costa Gomes, mas ele não aceitou, e outros, com ligação a Mário Soares, apoiariam quem decidíssemos, entre Pires Veloso, Manuel Costa Braz e António dos Santos Ramalho Eanes”, recorda, ao PÚBLICO no âmbito de outro trabalho, o coronel Vasco Lourenço. “Ficou acordado que seriam os nove Conselheiros da Revolução do Exército que decidiriam numa reunião que decorreu no Forte de São Julião da Barra”, prossegue o presidente da Associação 25 de Abril.

“Em jogo ficam Ramalho Eanes e Costa Braz. Eanes é escolhido por sete dos conselheiros, os votos em Costa Braz são de Eanes [que não votou em si próprio] e o meu, porque considerava que Ramalho Eanes era mais importante como chefe do Estado-Maior do Exército”, explica. Era tempo de normalizar a vida nos quartéis e disciplinar as fileiras.

“O meu argumento para Eanes ser escolhido é que tinha havido uma revolução e que, para o regime democrático, era muito importante que a legitimidade revolucionária e democrática [das futuras presidenciais] coincidisse”, sintetizou há pouco mais de um ano, ao PÚBLICO, o general Rocha Vieira.

Costa Braz fez o seu caminho. “A acção como ministro da Administração Interna no processo eleitoral para a Assembleia Constituinte [em 25 de Abril de 1975] foi excelente, partíamos do zero, basta recordar que nas eleições de 1973 havia um milhão de eleitores e que os cadernos eleitorais passaram 5,5 milhões”, recorda Vasco Lourenço. Por duas vezes, voltou àquele ministério: no primeiro Governo de Soares, e no V Governo Constitucional de Maria de Lourdes Pintasilgo, em 1979/80, na preparação das eleições autárquicas e legislativas de 1979.

Também foi provedor de Justiça, em 1975, e entre 1983 e 93 é nomeado Alto-Comissário Contra a Corrupção, um cargo novo para um problema para o qual a sociedade portuguesa despertava, numa missão sobre a qual sempre lamentou a falta de meios.

Mais de 17 anos depois, Costa Braz volta a estar na calha a Belém, como sucessor de Eanes entre uma miríade de candidaturas, de Maria de Lourdes Pintasilgo a Francisco Salgado Zenha. Vasco Lourenço discordou. Tinha pensado em Garcia dos Santos, e garante que até admitia Costa Braz, se esse nome tivesse sido discutido. “Mas, numa reunião em casa de Vítor Crespo, Vítor Alves comunicou que Eanes se decidira por Costa Braz” - e Vasco Lourenço não gostou do processo.

Miguel Caetano, João Botequilha e José Rabaça, amigos influentes de Eanes, tinham sido chamados para preparar a candidatura. “Alguns dos conselheiros militares e civis do Presidente acharam que ele não era um candidato suficientemente forte, passaram-se para o Zenha”, lembra Botequilha. Nesta decisão, que envolve figuras do Partido Renovador Democrático, Miguel Caetano ainda hoje admite que a escolha de Zenha foi por gratidão. Por, em 1983, ter mantido o acordo do PS com Eanes para a revisão constitucional contra o texto negociado por Mário Soares com o PSD e CDS.

Miguel Caetano, João Botequilha e José Rabaça não fizeram campanha pelo ZAP [Zenha à Presidência]. “Reunimo-nos os três num restaurante, Costa Braz ficara de lado, e decidimos não apoiar Zenha de quem éramos amigos e admiradores, mas não concordávamos como o processo tinha decorrido”, sintetiza Caetano.

Assim se concluía a vida política de Manuel Costa Braz, coronel entre capitães no 25 de Abril, um dos redactores com Melo Antunes do manifesto O MFA e a Nação Portuguesa e signatário do “Documento dos Nove”. Garcia Leandro conheceu-o num curso de Estado-Maior, quando a ruptura com o regime já fervilhava. “Um homem sensato, moderado, cauteloso, em quem se podia confiar”, resume. 

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