Quem salva migrantes no mar prefere “ser preso a ser cúmplice”
Anabel Montes é chefe de missão do navio de resgate da ProActiva Open Arms, uma organização não-governamental catalã que desde 2015 presta auxílio a migrantes no Mediterrâneo Central. Esta manhã, chegou ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, numa lancha salva-vidas, para pedir o fim da criminalização da acção humanitária no resgate de migrantes.
Anabel Montes e parte da tripulação do navio Open Arms chegaram cedo ao Parlamento Europeu e de uma forma inesperada: numa pequena lancha salva-vidas, atravessando o rio Reno. Uma acção apoiada pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL) e que coincidiu com a primeira sessão do novo Parlamento Europeu. O grupo vinha encorajado pela notícia da libertação da capitã do navio humanitário Sea-Watch 3, Carola Rackete, que estava em prisão domiciliária há três dias por ter atracado, sem autorização, na ilha italiana de Lampedusa.
“O processo foi rápido e isso é muito bom. Houve um grande apoio da sociedade civil, que denunciou um acto injusto contra uma pessoa cujo único objectivo era salvar a vida de 49 pessoas”, disse Anabel Montes, chefe de missão do navio de resgate da organização ProActiva Open Arms ao P3. “Dá-nos um sinal de que o trabalho que estamos a fazer é correcto porque a lei nos protege”, acrescentou.
Na manhã desta quarta-feira, 3 de Julho, em Estrasburgo, enquanto decorriam as votações para a presidência do Parlamento Europeu dentro do hemiciclo, o GUE/NGL apresentava em conferência de imprensa uma carta, co-assinada pelas organizações não-governamentais ProActiva Open Arms e Sea Watch, onde pede aos eurodeputados para defenderem o “princípio básico de que todas as vidas são iguais e merecem ser salvas”.
“As instituições europeias não fazem nada, há muitas palavras vazias. E cada vez há mais acusações, mais criminalização da acção das organizações não-governamentais”, acusa Anabel Montes. A espanhola de 32 anos, natural das Astúrias, estava até Maio deste ano acusada de associação criminal, juntamente com o capitão do navio Open Arms, por em 2018 ter atracado no porto de Pozzallo, na Sicília, com 216 migrantes a bordo.
Anabel conhece o caso do português Miguel Duarte, que está acusado pelo Ministério Público italiano de auxílio à imigração ilegal. Acredita que, depois da libertação da alemã Carola Rackete, casos como o do português vão ser descartados pelas autoridades. “Penso que o processo vai ser arquivado, mas é importante perceber que o facto de se prolongar no tempo faz parte da estratégia política, encabeçada pelo governo italiano, de dar voz a políticas xenófobas e racistas”, explica a activista.
Em 2018, de acordo com as Nações Unidas, morreram ou desapareceram no Mediterrâneo 2270 pessoas. Esta terça-feira, a deputada socialista no Parlamento Europeu Isabel Santos questionou a Comissão Europeia sobre se tenciona adoptar quaisquer medidas para impedir a criminalização do apoio humanitário prestado aos migrantes e refugiados por organizações não-governamentais no Mediterrâneo.
Desde 2015, mais de 150 pessoas foram acusadas de crime por auxílio à imigração ilegal. Em Espanha, a Proactiva Open Arms arrisca multas entre os 300 mil e 900 mil euros por desafiar as ordens que limitam o seu navio de resgate ao porto. “Se houvesse um plano público de resgate no Mediterrâneo não haveria tantas mortes. Fazemos o trabalho que deviam fazer as instituições europeias”, defendeu durante a conferência de imprensa Miguel Urbán Crespo, eurodeputado espanhol do partido Podemos. “A Frontex (Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira) não cumpre a sua função, não cumpre o salvamento no mar.”
Anabel Montes trabalha desde os 18 anos em operações de salvamento no mar. “A embarcação onde chegámos hoje já salvou muita gente no mar. E vai voltar ao mar, para salvar mais mulheres, homens e crianças. Preferimos ser presos do que cúmplices.”