“Temos ratos a cair na plateia, em cima do público, durante os espectáculos”: trabalhadores do Opart justificam greve
A harmonização salarial não é a única reivindicação dos funcionários do Teatro Nacional de São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado, que esta manhã, numa conferência de imprensa, enumeraram situações de insalubridade e de falta de condições de trabalho.
O Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo (Cena-STE) insistiu esta terça-feira, em conferência de imprensa, nas razões que levaram os funcionários do Organismo de Produção Artística (Opart) à greve em curso, sublinhando que além da harmonização salarial que vêm reivindicando, ponto considerado “irredutível”, estão em causa outros problemas graves de insalubridade e de falta de condições de trabalho.
Antecipando a presença da ministra da Cultura, Graça Fonseca, esta quarta-feira na Assembleia da República, a pedido do grupo parlamentar do PCP, o dirigente sindical André Albuquerque voltou a refutar a argumentação da tutela, que acusou os trabalhadores de pretenderem aumentos salariais “superiores a 10%" quando o que estes pretendem, reiterou, é um ajustamento dos salários dos técnicos do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) e da Companhia Nacional de Bailado (CNB), entidades geridas pelo Opart: “Por mais vezes que a senhora ministra repita a expressão ‘aumentos salariais’, será sempre uma mentira.”
O que a ministra tem estado a fazer é a apagar este fogo com gasolina”, afirmou Carolino Carreira, delegado sindical do São Carlos. Em representação dos trabalhadores da CNB, o seu bailarino principal, Carlos Pinillos recordou que, apesar da recente aprovação do estatuto profissional, os bailarinos não têm ainda a profissão cabalmente reconhecida, e apontou graves problemas nas condições de trabalho no Teatro Camões, casa da companhia: “Temos ratos a cair na plateia, no público, durante os espectáculos. Estamos a desviar infiltrações de água nos corredores e em áreas estratégicas de trabalho para as pessoas conseguirem trabalhar. Temos uma pala da entrada principal que caiu por completo no chão. A entrada principal foi fechada, o acesso do público ao teatro tem de ser feito por uma porta lateral, uma saída de emergência”, disse.
Herlander Valente, que representa os técnicos do São Carlos, acrescentou ainda que, questões laborais à parte, é preciso acautelar “a reposição da missão artística do Opart”, que considera ameaçada.
“Parece-nos que a senhora ministra está a tentar atrasar uma série de decisões, a empurrar soluções, para depois dizer que o Governo já não tem possibilidade de tomar decisões. Sabemos que haverá eleições em Outubro”, disse André Albuquerque, lamentando que o primeiro-ministro não esteja “a perceber a perceber a gravidade da situação que está criada dentro da maior empresa artística do país”. O sindicato pediu por diversas vezes a intervenção de António Costa, que remeteu os trabalhadores para o Ministério da Cultura (MC).
Da greve que os trabalhadores iniciaram a 7 de Junho, e que levou entretanto ao cancelamento de uma ópera do São Carlos e de um espectáculo da CNB ("um rombo de meio milhão de euros ao erário público”, quantificam), resultaram já, segundo o sindicato, a “integração dos trabalhadores que estavam inscritos no PREV-PAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública), a promessa de que até final de Julho estaria disponível uma sala de ensaios para a Orquestra Sinfónica Portuguesa e de que o trabalho suplementar devido desde 2013, nomeadamente do coro, seria pago até Setembro”. Graça Fonseca anunciou entretanto também um investimento de três milhões de euros para a realização de obras no TNSC.
Da greve para os tribunais?
Na origem da disparidade salarial contestada pelos trabalhadores está uma decisão tomada em Setembro de 2017 pelo então conselho de administração do Opart, presidido por Carlos Vargas, e que reduziu o horário de trabalho dos funcionários da CNB para as 35 horas, mantendo o salário correspondente às 40h; os restantes trabalhadores do Opart já tinham um regime de 35 horas semanais, auferindo a remuneração correspondente. O sindicato exige um acerto do valor do trabalho por hora, para que os técnicos do São Carlos não sejam prejudicados e recebam o mesmo que os da CNB. Em causa, segundo cálculos do Cena-STE que já incluem retroactivos desde 2017, está uma verba próxima dos 80 mil euros, o montante necessário para que 22 técnicos do São Carlos recebam o mesmo valor/hora que os os técnicos da CNB.
Contrariando um parecer solicitado pelo Opart, o Governo diz que a deliberação do Opart não tem fundamento legal e não aceita a exigência do sindicato, tendo o MC decretado que a partir do início deste mês seria reposto o regime de 40 horas semanais aos trabalhadores da CNB. Na conferência de imprensa desta manhã, o Cena-STE garantiu que os trabalhadores não receberam até esta terça-feira qualquer directiva interna sobre essa alteração.
O Cena-STE não põe de parte a hipótese, já avançada, de uma acção judicial, mas ainda está à espera de definir os termos da queixa, uma vez que não existe “uma decisão explícita” da tutela ou da administração do Opart.
Graça Fonseca irá prestar esclarecimentos aos deputados sobre o Opart esta quarta-feira. Um dia depois será a vez de o Cena-STE ir ao Parlamento.
No meio deste conflito laboral, o MC anunciou em Maio a intenção de não reconduzir a administração do Opart, liderada por Carlos Vargas, que entretanto apresentou a sua demissão; a ministra chegou a responsabilizar pessoalmente os seus dois vogais, Samuel Rego e Sandra Simões, pelo fracasso nas negociações com os trabalhadores. Esta tarde, o gabinete de Graça Fonseca anunciou que o advogado e professor universitário André Moz Caldas, chefe de gabinete do ministro das Finanças, Mário Centeno, desde 2015, irá presidir ao organismo. Texto editado por Inês Nadais