“A diferença em relação aos prisioneiros é que eles têm água e comida. Nós não”

Os nove moradores do Prédio Coutinho saíram à rua ao final da tarde, depois de sete dias rodeados pelas paredes do edifício de 13 andares, sem água, gás e luz, para evitarem o despejo levado a cabo pela VianaPolis, agora suspenso por uma providência cautelar em tribunal.

Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Cão
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Bicicleta de estrada
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta

O ar fresco do Oceano Atlântico, em Viana do Castelo, foi como uma lufada quando as portas do edifício Coutinho se abriram, por volta das 18h05; depois de sete dias fechados para evitarem o despejo, os nove moradores confirmaram, juntos, o direito a entrarem e a saírem em liberdade do prédio, num momento pontuado por abraços, beijos, palmas e lágrimas. “Foi terrível. Tivemos de poupar água e de poupar comida”, lembrou Armando Cunha, residente no Coutinho em 43 dos 77 anos da sua vida. “Fomos solidários. Vivemos com a solidariedade uns dos outros. Foi difícil, mas estamos felizes. Isto vale pelo retomar da normalidade.”

Essa normalidade, nas palavras do morador, regressou após o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga ter aceitado, nesta segunda-feira, a providência cautelar apresentada em 24 de Junho. O advogado dos moradores, Fernando Vellozo Ferreira, confirmou essa decisão do TAF ao início da tarde e exigiu a reposição dos serviços sonegados aos seus clientes. Apesar de ter informado que vai exigir a revogação da providência cautelar, a VianaPolis interrompeu as tentativas de despejo, efectuadas desde as 9h00 da segunda-feira anterior, e repôs a electricidade. O abastecimento de água, porém, ainda não fora retomado até ao fecho desta edição.

“Surrealista” foi a palavra utilizada por Maria José Ponte para descrever a situação que viveu nos últimos sete dias, na companhia da sua cadela, Luna. “Foi um sequestro em minha própria casa. É incompreensível”, reiterou a economista, de 53 anos. Habitante do Coutinho desde 1998 – mudou-se então para a habitação comprada pelos pais – classificou a impossibilidade de entrada de água e alimentos no prédio como “barbáries aos direitos constitucionais e humanos”.

Para contornarem esse obstáculo, acrescentou, os habitantes do Coutinho tiveram de contar com a ajuda uns dos outros e também do exterior. “Sobrevivemos: é a palavra que podemos encontrar”, disse. “Sem a ajuda dos resistentes no exterior, não nos teria sido sido possível resistir a isto com tanta dignidade”. Esta sobrevivência teve, porém, contornos trágicos. Nesta mesma tarde de segunda-feira, um dos moradores, Agostinho Correia, de 88 anos, recebeu a notícia de que a sua esposa, Maria Amália de Castro, falecera no Hospital de Santa Luzia, onde fora internada há 15 dias.

Mercado e Coutinho: uma relação complicada

À porta do 3.º esquerdo, lê-se um breve texto a alegar a Constituição Portuguesa para a defesa do direito à habitação. Aos 75 anos, Ivone Carvalho não se conforma com o projecto de demolição do prédio Coutinho, uma “construção exemplar”, num tempo em que a falta de alojamento é um problema.

A intenção de se construir no lugar do Coutinho o novo mercado municipal torna o objectivo da Câmara ainda mais incompreensível, para a moradora. “O mercado era relativamente bom. Até acredito que precisassem de um mercado mais moderno, mas poderiam ter aproveitado o espaço onde ele estava”, disse, criticando a Declaração de Utilidade Pública emitida a autorizar a demolição do Coutinho, em 2005. O anterior mercado municipal, a dezenas de metros do prédio, foi demolido em 2003.

19 anos de “falta de diálogo”

Para Maria José Ponte, o maior problema deste processo iniciado em 2000 é a falta de diálogo da VianaPolis, bem como a postura de “quero, posso e mando”. “Os gestores da VianaPolis foram muito maus neste processo.” A moradora do 8.º Direito, no bloco Nascente, lamentou a incapacidade da sociedade detida pelo Estado (60%) e pela Câmara de Viana do Castelo (40%) para dialogar sobre as condições da permuta pelas casas entretanto construídas para acolherem os moradores do Coutinho.

A ausência de diálogo é também uma queixa de José Oliveira Santos, residente no 5.º Esquerdo, do bloco Poente. “O presidente da Câmara e a VianaPolis nunca falaram directamente connosco em 19 anos. Só mandaram cartas”, afirmou ao PÚBLICO, em sua casa. Aos 78 anos, o antigo militar e polícia já tinha muitas das suas coisas empilhadas no hall para a eventualidade de ter de sair da casa onde habita desde 1975. O morador reiterou que a escritura do seu prédio, pago com o dinheiro do seu trabalho, foi “legal” e disse ter dificuldades em entender a necessidade de se deitar abaixo um prédio como o Coutinho.

Depois de “noites sem dormir”, com várias tentativas de poupar água de todas as maneiras, José Oliveira Santos criticou ainda o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que, na sexta-feira, considerou que os poderes públicos é que estão a ser “abusados”. “Revelam um total desconhecimento do processo em si”, disse. “O Estado, enquanto sócio maioritário da VianaPolis, é também responsável por estas atitudes ignóbeis.”

Para Francisco Rocha, emigrante em França durante 45 anos e residente no Coutinho há 12, o processo de despejo nos últimos sete dias foi uma “vergonha”. “Nunca estive preso. Foi a primeira vez. A diferença em relação aos prisioneiros é que eles têm água e comida. Nós não”, disse.

Sugerir correcção
Ler 22 comentários