Alfa, a degradação apressada de um comboio
Nem o Alfa Pendular foi devidamente aproveitado nem o verdadeiro TGV avançou. Uma frota degradada, com problemas de manutenção e sem capacidade de resposta ao aumento da procura, são o resultado do desprezo por este meio de transporte público.
É um paradoxo que só a incúria explica. Como é que um serviço de transporte ferroviário tem hoje tão pouca e deficiente oferta num momento em que a procura nunca foi tão elevada? O que foi anunciado como um “marco na história dos Caminhos-de-Ferro portugueses” nunca passou de uma ficção criada para nos convencer que os comboios de alta velocidade tinham acabado de estacionar nas nossas estações.
Uma década de investimento ferroviário no consulado de Cavaco não foi capaz de dotar a Linha do Norte das condições exigíveis para encurtar em duas horas o tempo de viagem de Campanhã a Santa Apolónia. Desde a primeira viagem do Alfa Pendular, há 20 anos, que pouco mudou na ligação entre Porto e Lisboa. O objectivo para o qual foi adquirido nunca foi atingido. Um comboio preparado para atingir 220 km por hora não passava dos 160 e, mesmo assim, em troços muito específicos. Afinal, o TGV que nos prometiam, e que mereceu promessas de ligação de 1h15, era meia hora mais rápido do que o Foguete, o comboio mais rápido em circulação em Portugal desde 1953.
As auto-estradas rodoviárias, construídas de forma avassaladora, num contexto de valorização das obras públicas, da civilização automóvel e do transporte individual, em desprezo pelo transporte público, foram uma evidência de novo-rico embasbacado com uma noção pechisbeque de desenvolvimento. Em suma, nem o Pendular foi devidamente aproveitado nem o verdadeiro TGV avançou. Uma frota degradada, com problemas de manutenção, e sem capacidade de resposta ao aumento da procura, são o resultado desse desprezo.
O que Pedro Marques, enquanto ministro do Planeamento e das Infraestuturas, nos legou foi mais um longo desinteresse pela melhoria das ligações ferroviárias. A reabertura de oficinas para recuperar o material circulante, de modo a evitar novas supressões de linhas, que deixou o interior sem comboio, pode ser um acto de contrição. Um misto de troika, que fechou oficinas de manutenção, e de cativações acentuou a degradação deste transporte publico. O investimento de nove milhões de euros até ao final do ano, aprovado pelo Governo, com a finalidade de dotar o país de um serviço de qualidade, poder ser outro acto de contrição e só peca por ser tardio. Mas não vale a pena pedir desculpa pela degradação dos últimos 20 anos. As desculpas não se pedem, evitam-se. E, neste caso, ninguém as evitou.