Os artistas do Mota Galiza podem ser “eremitas”, mas vão mostrar o que fazem por lá
A Galeria Comercial Mota Galiza está, desde 2017, ocupada por artistas. Este sábado, 29 de Junho, entre as 15 e as 23 horas, as portas abrem-se para mostrar exposições, performances, concertos ou estúdios abertos, num evento que reúne mais de 60 artistas. A entrada é gratuita.
Quem entra na Galeria Comercial Mota Galiza, no Porto, provavelmente não se apercebe do que se passa em algumas das lojas que já não servem esse propósito. Dizem-nos que “os artistas podem ser um bocado eremitas”, mas estão lá: desde 2017, o espaço quase vazio na Rua Calouste Gulbenkian é o local de trabalho de vários. Este sábado, 29 de Junho, entre as 15 e as 23 horas, as portas do edifício — e dos ateliers — abrem-se para mostrar o que por lá se faz.
Exposições, estúdios abertos, performances e concertos de mais de 60 artistas integram o programa da segunda edição do projecto Via Aberta, um evento comissariado por Luísa Mota, com curadoria de Rita Roque, Sonja Câmara e Ana Rocha, com o tema Sonho de Uma Noite de Verão. A ideia é “reforçar o sentido de comunidade no meio artístico, bem como o próprio artista”, explica Luísa Mota, enquanto guia o P3 pela galeria comercial.
“A programação vai desde uma mostra de filmes até exposições, escultura, pintura, música experimental nacional e performance. O projecto P!ngo, que mistura jogos e comida, vai estar espalhado por vários pontos da Mota Galiza”, revela Luísa, que também vai apresentar uma performance. A maior parte dos ateliers dos artistas residentes vai estar aberta, “alguns deles com convidados, outros transformados num project space”, e as intervenções vão estar por toda a parte: “nos corredores, nos vidros, nos jardins”.
Com um “orçamento zero”, o Via Aberta nasce da “força de vontade” dos participantes: “Não há aqui nenhuma instituição, nem um título para se poder dizer ‘vou mostrar em Serralves’, por exemplo. E essa energia é interessante”, refere Luísa. Para além das 11 lojas que estão arrendadas, os artistas vão ocupar mais oito espaços cedidos para o evento.
Mota Galiza e a “comunidade” artística
Como o nome pode indicar, a ligação de Luísa Mota ao conjunto de edifícios Mota Galiza não é só circunstancial. “Desde pequena venho para aqui, isto está relacionado com a minha família”, conta a artista, de 35 anos, formada em Belas Artes, em Londres. Em 2012, desenvolveu o primeiro projecto no espaço a convite da Fundação Manuel António da Mota: “Tivemos um orçamento espectacular e fizemos uma programação super densa”, relembra. Mas a parceria acabou em 2015, altura em que Luísa passou a desenvolver os seus projectos artísticos numa das lojas da galeria comercial que pertencia à fundação.
Palavra passa palavra, os amigos começaram a perguntar-lhe “se não conseguia arranjar um espaço para eles”. “Eu sabia que havia lojas vazias e que eu conseguiria ter um contacto directo com os proprietários, por isso comecei a tentar arranjar ateliers para diversos artistas.” Conseguiu negociar com proprietários “um preço que cobrisse as despesas”: três euros por metro quadrado.
Neste momento, há 14 artistas residentes na Mota Galiza. Um grupo “super variado”: “Desde pessoas como Luís Palma — um fotógrafo bastante emblemático na cidade — ou Nettie Burnett, até artistas que acabaram de se graduar em Belas Artes.” Ou outros como Rafael Yaluff, chileno de 36 anos, que, por questões de amores e desamores, acabou por trocar Toronto, onde vivia, pelo Porto. É há três meses artista residente no espaço.
Chegou a Portugal há cerca de um ano, para fazer uma residência no Porto e para acompanhar a namorada portuguesa. A residência acabou e o namoro também — mas Rafael quis ficar por cá. “Em Toronto tinha muito trabalho, tinha outras coisas. Aqui consigo ser artista e não preciso de outro trabalho”, justifica. Assistia a uma exposição quando “alguém falou nas lojas” que a Luísa arrendava. Ligou “e pronto”. Mas nem sempre é assim tão fácil — neste momento há sete pessoas em lista de espera para terem um espaço.
Rafael não vai poder mostrar os seus quadros no Via Aberta; tem uma viagem marcada para o mesmo dia. Por isso, as telas gigantes com flores pintadas a acrílico ou O Jardineiro, quadro onde uma personagem vestida de negro rega um campo de tulipas inspiradas na Rua da Alegria, vão ficar guardadas na pequena sala onde o artista passa os dias. “Venho para cá todos os dias da semana e ao sábado, apesar de agora estar a tentar ter o fim-de-semana livre. Venho de manhã e saio às nove ou dez da noite”, conta.
Luísa Mota não conhece a rotina dos artistas: “Mesmo sabendo que está cá gente, às vezes entra-se e parece um espaço fantasma. As pessoas fecham-se nos seus ateliers.” Os encontros são circunstanciais, na casa de banho, por exemplo, quando vão lavar pincéis. Mas assim nascem as amizades, garante Luísa. E é assim que cresce a “comunidade”.