Trabalho científico também é trabalho!

Fazer ciência é hoje, para todos aqueles que a exercem, uma atividade de risco, marcada por muita pressão, ansiedade, angústia e incerteza.

Desde há muito que o trabalho de investigação científica não é tratado com o respeito inerente ao importante papel social, cultural e económico que este representa. Ao longo das últimas décadas, assistiu-se a um notável aumento do número de doutorados, dos níveis de produção científica e da capacidade de captar financiamento internacional. No entanto, os protagonistas deste progresso continuam a não ver o seu trabalho devidamente reconhecido através de vínculos laborais estáveis.

Efetivamente, fazer ciência é hoje, para todos aqueles que a exercem, uma atividade de risco, marcada por muita pressão, ansiedade, angústia e incerteza. Por mais significativos que sejam os contributos para o desenvolvimento do conhecimento científico, o futuro, senão mesmo o presente, é, nas mais das vezes, um enorme ponto de interrogação.

Os efeitos sobre a vida dos investigadores são muitos e extremamente nefastos. Afinal de contas, são vidas suspensas, é um horizonte que a cada momento se distancia. Por maior que seja o esforço, o empenho, o profissionalismo e a qualidade do trabalho, a estabilidade laboral necessária para que efetivamente se dignifique e valorize o trabalho científico, mas também para que a consolidação e o desenvolvimento do sistema científico e tecnológico nacional ocorram, é, para a esmagadora maioria dos investigadores, uma miragem. E não tem de ser assim. Não há nenhum determinismo fatalista que obrigue à existência de mais investigadores doutorados precários do que integrados na respetiva carreira. A precariedade laboral não é um destino inexorável a que todos os investigadores estão sujeitos mas sim o produto de opções políticas erradas que, elegendo o trabalho como alvo preferencial, comprometem o desenvolvimento socioeconómico, acentuam a desigualdade e a injustiça, corroem os laços que nos unem.

Embora existam outros fatores que ajudam a explicar o atual panorama da ciência portuguesa, é no sub-financiamento crónico que encontramos a raiz de muitos dos problemas que têm caracterizado a evolução deste setor ao longo dos últimos anos e que se têm vindo a agudizar.

Pelo menos desde o ano 2000, a despesa em I&D, que hoje é inferior a 1,5% do PIB, encontra-se abaixo da média europeia, que é superior a 2% do PIB. Estamos, pois, ainda bastante distantes de alcançar os 3% definidos pelo atual governo como meta para 2030. Por outro lado, o financiamento em I&D é hoje menor do que em 2011, sendo as áreas mais sacrificadas o apoio a projetos de I&D e a contratação – a prazo – de trabalhadores científicos, e a despesa por investigador é menos de metade da média europeia. Temos, portanto, em Portugal, ciência de elevada qualidade a muito baixo custo.

Infelizmente, embora tenham sido criadas muitas expectativas junto da comunidade científica por parte do atual governo, tanto os níveis de financiamento da ciência como de combate à precariedade laboral não foram abordados de forma adequada. Com efeito, a recente revalorização das bolsas de pós-doutoramento e outras formas de contratação a prazo – figuras que institucionalizam e eternizam a precariedade na ciência – traduz um recuo muito significativo relativamente ao caminho trilhado no início da legislatura.

É, pois, fundamental, continuar a batalhar pelo reforço do financiamento estrutural não competitivo da ciência, pelo repensar do papel desempenhado pela FCT no sistema científico e tecnológico nacional e pela criação de condições para promover uma maior participação dos investigadores na gestão democrática das instituições.

Só assim se pode garantir a defesa dos interesses dos investigadores e a valorização do seu papel na sociedade. Só assim se pode assegurar um futuro melhor para a ciência portuguesa. Só assim se pode construir um Portugal melhor, mais justo, mais solidário e menos desigual.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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