Em Campolide, “anda-se à caça de lugar” e paga-se para se estacionar no passeio
Junta de Campolide autorizou EMEL a cobrar estacionamento em cima do passeio. Empresa muncipal diz que solução é “provisória”.
Na freguesia de Campolide, em Lisboa, o problema do estacionamento já não é de hoje. Como resposta à escassez de lugares, a autarquia de Lisboa está a construir um parque de estacionamento exclusivo com 60 lugares para moradores, na Rua Actor Taborda. Mas enquanto a obra não é concluída, a Câmara de Lisboa decidiu permitir o estacionamento de automóveis em cima do passeio. Entre a estrada e a calçada existe apenas uma fila de pilaretes a separar os carros de peões. A solução tem gerado opiniões contraditórias por parte dos moradores.
Na Rua Vieira Lusitano, o cenário é o habitual em Lisboa: carros em cima dos passeios. O morador Miranda Lemos, 72 anos, demora tempo a estacionar a sua viatura. Chega-se à frente e recua. Tarda em corrigir a trajectória para que o seu carro fique estacionado em porções iguais de estrada e calçada. Questionado pelo PÚBLICO sobre a medida implementada pela autarquia, diz que “foi uma tentativa de descomplicar e a resposta possível para a coabitação de carros e pessoas no passeio”.
O morador argumenta que os carros “têm de existir” naquele lugar e que a medida permite que os condutores “estacionem minimamente”. A acessibilidade para pessoas idosas ou com mobilidade reduzida, nota, é outra questão. Na sua opinião, esta solução de estacionamento é “muito difícil” em termos de mobilidade para estas pessoas. Mas a “Lisboa antiga é assim”, diz, num tom conformado.
Apesar da polémica, o município, afirma em resposta às questões enviadas pelo PÚBLICO, que a decisão foi tomada depois de uma “reunião participativa que envolveu a Junta de Freguesia de Campolide e a EMEL”. A “solução temporária”, como se lhe referem, resultou do desfecho dessa reunião e “ficará resolvida nos próximos meses”. A autarquia detalha ainda que “o estacionamento de veículos ocupando parcialmente o passeio em Campolide é uma situação transitória e temporária, limitada apenas a quatro ruas de Campolide”.
Mais acima, na Rua Conde das Antas, uma das artérias de Campolide em que a EMEL cobra o estacionamento de carros em cima do passeio, há opiniões contrárias. Lúcia Frade, de 70 anos, encara a decisão de forma positiva. “Tenho um lugar próprio num parque para moradores mas acho que está muito bem. Antes não podíamos andar nos passeios. Era caótico”, recorda a moradora. “O tempo do carro já passou. Nós, peões, antes não tínhamos nada, e agora é diferente.”
Do outro lado da rua, Nuno Pereira considera que as mudanças empreendidas “não têm muita lógica”. “As pessoas não estão muito contentes”, constata o morador de 44 anos. “Acho que é uma medida mais comercial do que propriamente logística”. Num dos cafés da Conde das Antas, a opinião é unânime entre os locais mais velhos do bairro. “A aceitação é má. Não ganhou nada e não se beneficia disto.” Quem o diz é José Varino, 68 anos, e morador na zona há 44 anos.
Ali, diz, “anda-se à caça de lugares”. Os parquímetros estão nas ruas da freguesia desde o início do ano e tem havido várias alterações desde que ali foram postos. “Andaram a mudar o lado em que se podia fazer o estacionamento. Os parquímetros conferem mobilidade à zona, mas cortam demasiados lugares.” À noite é quando a situação se torna pior, elucida o morador. Soluções? A Junta de Campolide afirma que a medida é temporária, até que esteja terminada a obra do parque de estacionamento exclusivo para moradores.
Tendo em conta a extensão do problema, além da construção de um parque para moradores, a junta de freguesia irá “iniciar, já em Julho, trabalhos para requalificar e em alguns casos aumentar os passeios da zona”. A câmara considera, pois, que “a situação do estacionamento era mais grave em Campolide, antes da entrada da EMEL na freguesia, porque os passeios eram ocupados (pelos carros) na totalidade”.
“A introdução temporária dos pilaretes a delimitar o espaço para peões foi feita com recurso a medições, garantindo sempre um mínimo de 90 centímetros, para permitir a passagem de cadeiras de rodas”, assegura o gabinete de comunicação do município. “Qualquer medição errada ou que não respeite esse espaço mínimo será revertida.”
De acordo com o Jornal de Notícias, alguns dos sinais que autorizavam o estacionamento em cima do passeio foram retirados, mas os moradores temem que sejam colocados nos sentidos contrários das ruas.
O PÚBLICO questionou a EMEL sobre a decisão de marcar os lugares de estacionamento em cima do passeio, e a empresa municipal esclareceu que estes “foram devidamente autorizados pela Câmara Municipal de Lisboa, tiveram o intuito de resolver a pressão do estacionamento na zona e pretendem ser provisórios”. Foram também pedidos esclarecimentos à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviárias, mas não foi dada resposta até ao momento da publicação do artigo.
No Facebook, André Couto, presidente da Junta de Campolide, escreveu que a parceria entre a junta e o município tem dado resposta à problemática do estacionamento. “Os passeios onde antes havia carros estão hoje livres ou delimitados por pilaretes, que garantem a faixa de circulação regulamentar a todos os peões, incluindo pessoas com mobilidade reduzida. As intervenções que temos feito em cada rua, uma após outra, encarregam-se de normalizar tudo. Enquanto isso não acontece, e fruto de uma reunião participada com os Vizinhos e Vizinhas, JFC, EMEL e CML, construiu-se uma solução temporária, para algumas ruas, em que um passeio está totalmente livre e outro é partilhado entre peões e um rodado dos veículos. Foi a solução desejada pela população para que os lugares de estacionamento não fossem reduzidos a metade, numa zona sem qualquer parque de estacionamento.”
Em 2016, uma situação semelhante ocorreu na Avenida Gago Coutinho. O município autorizou o estacionamento de automóveis em cima do passeio, tendo mesmo colocado sinalização para o efeito. À altura, o assunto foi levado a reunião camarária e a câmara explicou ao PÚBLICO que, erradamente, foi dado cumprimento a uma antiga ordem do anterior vereador da Mobilidade. Até hoje, o estacionamento continua a ser feito em cima do passeio e nenhuma solução foi encontrada, como era assegurado aos moradores.
com Liliana Borges