As parcerias público-privadas só fazem sentido quando, numa determinada região do país, não existe oferta pública ou esta é inadequada, e, por isso, é necessário estabelecer contratos com empresas na área da saúde que possam (subsidiadas pelo Estado) garantir uma oferta às populações que necessitam. Assim sendo, julgo que os sistemas de saúde público e privado devem coexistir, mas é necessário atentar para que a privatização da saúde — assim como da educação, da justiça ou da mobilidade — não seja um caminho a prosseguir.
Há uma cultura, em Portugal, de descredibilização das estruturas públicas; foi injectada em doses graduais uma sobrevalorização do cliente e uma desvalorização do utente, o que, num país com uma carga fiscal tão elevada, não posso deixar de considerar uma estratégia genial e muito bem conseguida. Contudo, é sempre importante relembrar que o que é público é de todos nós, fruto dos impostos que diariamente nos são cobrados, transferidos para o Estado, e que depois, bem ou mal, muito ou pouco, são devolvidos à população ora em estruturas, ora em serviços, ora de outras formas.
Na crónica A cegueira ideológica que o SNS não cura, Paulo Ferreira alerta para o facto de as parcerias público-privadas na saúde corresponderem a apenas quatro hospitais — num universo de 100 — e que estas parcerias tiveram um peso, no orçamento de Estado de 2017 para a Saúde, de 4,9%, o equivalente a 450 milhões de euros num orçamento de 8450 milhões. Paulo Ferreira elogia também a prestação dos hospitais com parcerias público-privadas — em particular do Hospital de Braga —, com base nas avaliações da Entidade Reguladora da Saúde, em depoimentos de autarcas e em várias notícias do PÚBLICO, e deixa várias críticas ao Bloco de Esquerda (BE) e à Coligação Democrática Unitária (CDU) pelas posições radicais, considerando que as mesmas são nada mais nada menos do que uma cegueira ideológica, citando o autor: “As PPP na saúde são más porque o Bloco de Esquerda e o PCP não gostam delas. Porque são operadas pelo sector privado. E por isso querem proibi-las de vez”.
Devo dizer que entendo Paulo Ferreira e concordo em parte com as suas posições. Julgo que as parcerias público-privadas em áreas tão importantes como a saúde, a educação, ou a mobilidade são importantes para colmatar a inexistência de estruturas e serviços públicos em determinadas áreas geográficas. No entanto, tenho outras preocupações:
- É fundamental que os critérios que definem as parcerias público-privadas sejam objectivamente claros e sem margem para interpretações várias, mais concretamente a oferta hospitalar (e as especialidades clínicas) por número de habitantes, e as distâncias geográficas entre unidades hospitalares (evitando, como no caso da educação, escolas privadas com contratos de associação a operarem na vizinhança de escolas públicas);
- Um reforço dos recursos materiais e humanos que possibilite uma oferta de serviços de qualidade de todo e qualquer hospital (público ou em parceria público-privada) para que não sejam realizadas avaliações e/ou comparações que negligenciam a debilidade de uns em detrimento do estatuto favorável de outros;
- Um modelo de acompanhamento e avaliação de todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde que possibilite aferir a qualidade dos serviços prestados (em vários indicadores), assim como uma prestação de contas transparente e exigente (para que as suspeitas sobre o Hospital de Cascais, uma parceria público-privada, não se tornem habituais na sociedade portuguesa).
Posto isto, a necessidade do Estado reforçar áreas fundamentais da sociedade portuguesa, como a saúde e a educação, não é uma novidade. Mas, mais do que o recurso às parcerias público-privadas, é fundamental que os portugueses tenham um SNS de qualidade e que os profissionais responsáveis por desenvolverem esse trabalho tenham boas condições laborais. Ou seja, é necessário muito mais da parte dos governantes deste país, porque de migalhas a população já está farta e palavras não enfartam ninguém.
Ainda, é importante que à ideologia se sobreponham os interesses públicos principalmente numa sociedade socioeconomicamente desigual como é a portuguesa. A desigualdade socioeconómica (que parece crónica) só pode ser combatida com o reforço das estruturas públicas com vista a uma estratégia que vise uma articulação de esforços entre as diferentes áreas da sociedade. Sejam partidos políticos, ou individualidades, a realidade é complexa e exige muito mais do que meras cartilhas e ideais ou ideias preconcebidas. Além disso, pouco ou nada tem sido feito para o reforço estrutural do Estado Social em Portugal, além das medidas remediadoras (em grande medida populistas), a debilidade dos serviços públicos devolvidos à população são da responsabilidade dos vários governos e ao desinvestimento que ciclicamente se tem verificado.