Governo vai repor 40 horas semanais na CNB, um “ataque aos direitos dos trabalhadores”
Secretária de Estado e sindicato estiveram reunidos esta terça-feira. Ângela Ferreira sublinha que se trata de “uma reposição da legalidade”.
O Governo vai impor a reposição do regime de 40 horas semanais aos trabalhadores da Companhia Nacional de Bailado (CNB) a partir de 1 de Julho, informou a secretária de Estado da Cultura Ângela Ferreira esta terça-feira, numa reunião com o Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo (Cena-STE). É o novo capítulo do diferendo laboral em curso no Organismo de Produção Artística (Opart), responsável pela gestão conjunta da CNB e do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), e o sindicato classifica-o como “um ataque aos direitos dos trabalhadores da CNB”, uma vez que significa na prática a perda de direitos que aqueles adquiriram em Setembro de 2017. Para Ângela Ferreira, pelo contrário, “é uma reposição da legalidade” que o acordo então alcançado pela administração do Opart com os seus funcionários terá violado – um entendimento reforçado horas depois por um comunicado disponibilizado no Portal do Governo que acusa o sindicato de “intransigência”.
André Albuquerque, dirigente do Cena-STE, faz “um balanço negativo” de mais um encontro com a tutela, adiantando que as greves já anunciadas irão manter-se e que os trabalhadores ponderam agora novas formas de luta e novo apelo ao primeiro-ministro. “O Governo mantém a mesma posição, agora com esta agravante – a partir de 1 de Julho, seja qual for a escolha, os trabalhadores da CNB passarão para as 40 horas semanais”, resumiu após o encontro no Palácio da Ajuda.
“Saímos desta reunião com a certeza de que não vai ser esta tutela da Cultura ou das Finanças a resolver a situação”, frisa André Albuquerque, reiterando que os trabalhadores vão voltar a solicitar a intervenção do primeiro-ministro neste processo. Já para Ângela Ferreira não há nem “um impasse” nem “um braço de ferro”, disse a secretária de Estado aos jornalistas: “O que queremos todos é uma harmonização salarial”, declarou.
Em cima da mesa estavam, desde sexta-feira passada, os três únicos cenários que o Ministério da Cultura (MC) entende poder colocar aos trabalhadores da CNB: um regresso às 40 horas semanais, sem qualquer alteração salarial; a manutenção do regime de 35 horas semanais, com a correspondente redução salarial; ou uma prestação efectiva de 35 horas de trabalho semanal, tendo os trabalhadores em causa de acumular as restantes cinco em banco de horas. Reunidos em plenário na mesma sexta-feira, os trabalhadores do Opart rejeitaram a proposta da tutela, argumentando não terem sido os trabalhadores a tomar as decisões que o MC considera agora “ilegítimas” e competir por isso ao presidente do Opart e ao Governo “encontrar uma solução que não onere novamente os trabalhadores”. O comunicado disponível no site do sindicato recorda que a tutela esperou quase dois até decidir “considerar o acto de redução horária ilegal” e que nem os anteriores nem os actuais titulares do MC podem alegar desconhecimento do processo: “A redução de horário da CNB foi posta em prática em Setembro de 2017, por mais do que uma vez a tutela da Cultura foi informada pelo Cena-STE da necessária harmonização salarial a realizar. A actual ministra da Cultura está a par da situação desde o momento em que assumiu a pasta.”
Harmonização ou aumento?
O objectivo da reunião desta manhã era desbloquear as negociações laborais no Opart e caminhar para a resolução da desigualdade salarial entre os técnicos das duas estruturas do organismo – CNB e Teatro Nacional de São Carlos (TNSC). O diferendo, que se arrasta desde Setembro de 2017, agudizou-se no final de Maio e levou a uma greve que impediu a estreia da ópera La Bohème no São Carlos e que abrangerá nas próximas semanas o Festival Ao Largo, ainda sem programação anunciada, bem como os espectáculos Nós Como Futuro, Quinze Bailarinos e Tempo Incerto e Dom Quixote.
Na origem das divergências está uma deliberação do conselho de administração do Opart que aplicou o regime das 35 horas semanais a alguns trabalhadores da CNB. Mas os salários mantiveram-se, criando desigualdade em relação aos trabalhadores do TNSC com as mesmas funções, mas carga horária superior. O sindicato tem pedido a reposição da igualdade salarial, estimando que sejam necessários 60 mil euros para equiparar os vencimentos dos 22 técnicos do São Carlos aos dos seus colegas da CNB.
Esta terça-feira, o Governo reiterou que a solução do problema passa não por aumentar os técnicos do São Carlos mas por rever os horários de todo o corpo de trabalho da CNB. “Para tentar resolver uma situação de harmonização salarial, o Governo faz um ataque aos direitos dos trabalhadores da CNB que conseguiram, depois de muito esforço e negociação, passar das 40 para as 35 horas”, diz André Albuquerque. As medidas agora em cima da mesa passaram a afectar “cerca de 85 funcionários, entre bailarinos e técnicos”, precisa o dirigente sindical, lembrando que no cenário defendido pelo Cena-STE apenas era preciso mexer nas condições de trabalho de 22 pessoas. “A cada dia que passa o cenário piora”, lamenta.
A tutela argumenta que o sindicato exige “uma valorização remuneratória superior a 10% para os trabalhadores do São Carlos, o que seria injusto para todos os outros trabalhadores do Opart e da administração pública”, como resumiu a secretária de Estado da Cultura esta terça-feira. O sindicato não aceita esta interpretação: “Não podem continuar a insistir que estamos a pedir um aumento salarial – estamos a pedir uma harmonização de valor/hora”, iniste André Albuquerque, que considera “que há uma responsabilidade política deste Governo” no conflito actual.
“Os trabalhadores não sairão prejudicados se aceitarem uma das nossas propostas – e a nossa proposta mais importante é a utilização do banco de horas”, contra-argumentou a secretária de Estado no final da reunião, considerando que na impossibilidade de se alcançar um acordo com os funcionários da CNB “a única coisa que caberá à administração e à tutela é repor a legalidade das 40 horas, tal como está firmado nos contratos [individuais] celebrados entre os trabalhadores e o conselho de administração”.
Vazio na administração
Havendo divergências sobre a legalidade da deliberação que a administração do Opart assumiu em Setembro de 2017, Ângela Ferreira considera que vale “o que está firmado no contrato individual de trabalho”, e que não sofreu desde então qualquer adenda. A secretária de Estado diz que “não foram cumpridos os procedimentos” essenciais para dar validade à deliberação da administração que reduzia o horário dos trabalhadores da CNB: a homologação pela tutela, apurou o PÚBLICO, nunca chegou de facto a acontecer. A proposta de regulamento interno então consensualizada entre a administração do Opart e os trabalhadores terá ficado na gaveta dos anteriores titulares do MC, o ministro Luís Filipe Castro Mendes e o secretário de Estado Miguel Honrado. E para o Palácio da Ajuda seguiram entretanto outras versões dessa proposta de regulamento interno, instrumento que até hoje continua a não existir.
A aprovação de um regulamento interno de pessoal é, aliás, outra das reivindicações do sindicato, além da harmonização salarial. E a secretária de Estado promete que a tutela vai “continuar a trabalhar” nesse instrumento, “que tem de ser aprovado": “Um dos problemas base desta deliberação é a ausência desse regulamento interno que vai prever promoções e progressões”, afirma Ângela Ferreira.
Mas se a tutela acusa a administração do Opart de ilegalidade, esta dispõe de um parecer jurídico que defende a sua actuação em Setembro de 2017. A extensa análise, a que o PÚBLICO teve acesso, encerra com esta conclusão: “Mantemos o entendimento, oportunamente transmitido ao Conselho de Administração do OPART, E.P.E., de que a medida de uniformização da fixação em 35 horas semanais do limite máximo do período normal de trabalho, que implicou a redução do limite anteriormente vigente de 40 horas semanais, aplicável a uma minoria de trabalhadores, se integrava nas competências do Conselho de Administração dessa Empresa e não se encontrava vedada, ainda que temporariamente, por qualquer norma legal imperativa”.
Cabe agora aos trabalhadores, que na quarta-feira voltam a reunir-se em plenário, “pronunciar-se sobre se querem voltar a reunir com a tutela”, lança Ângela Ferreira. Entretanto, paira sobre o diferendo laboral no Opart a demissão, formalizada na segunda-feira, do presidente do conselho de administração, Carlos Vargas e a iminente substituição de toda a administração, cujo mandato de resto expirou em Dezembro. “Nos próximos dias”, a ministra Graça Fonseca vai anunciar a nova composição daquele órgão, garantiu a secretária de Estado. Desde Maio que a tutela promete estar “para breve” a recomposição do conselho de administração do Opart-
Notícia actualizada às 14h21: acrescenta dados do comunicado do Governo