É preciso pôr ordem na Ordem
Esta Ordem precisa de uma volta. Precisa de ser devolvida aos advogados. Precisa de ser representativa.
A maior parte dos advogados não se revê na Ordem dos Advogados. A Ordem é quase um mal necessário porque só ela confere a indispensável cédula profissional e só é advogado quem nela estiver inscrito.
É sobretudo a renovação da cédula que amarra os advogados à Ordem. Nos últimos 12 anos foi ainda a mudança de paradigma do sistema de apoio judiciário que desde então amarrou à Ordem milhares de advogados, também por razões materiais. É pouco.
Esses dois factores de agregação arrastam conveniências, tais como um correio electrónico, um seguro de responsabilidade civil (limitado), um certificado de assinatura digital avançada e pouco mais. Estas conveniências que alguns advogados até desvalorizam foram por sua vez decisivas na mudança para as plataformas electrónicas de submissão de peças processuais e de registos online. Perversamente sobrecarregaram os advogados com novas tarefas, antes confiadas às secretarias judiciais e outras tarefas de menor recorte jurídico e técnico, mesmo apropriadas, nos grandes escritórios, para ocupar pessoal a baixo custo.
Fora os dois factores de agregação, a Ordem acarreta, para o comum dos advogados, mais males e ódios do que momentos de regozijo e identificação associativa. A começar pela quota, a mais elevada de todas. Até o prestígio da classe, tradicionalmente reconhecido, está hoje desvalorizado, sendo que muitas vezes foi o próprio bastonário e outros responsáveis eleitos para cargos que mais contribuíram para socavar o prestígio de outrora ou para entravar o seu crescimento.
Fruto destas e de outras circunstâncias, gravita à volta da Ordem, dentro e fora dela, um grupo significativo de profissionais, uns mais novos, outros já de qualidade tarimbada, que vão e vêm, que se agregam e afastam, que umas vezes puxam outras empurram, naquela vã esperança de conduzir ou reconduzir os Senhores da Ordem à ordem que a Ordem deve ter. São uma reserva de consciência identitária relevante, mas que a lei natural do esgotamento de forças e o desânimo desgasta. Tal como se desgasta a esperança, depois a confiança, e com o desencanto o ímpeto que outros, sempre e sempre aos comandos da Ordem contrariam. Há centos de advogados que se esgotam e esgotaram na Ordem, sempre num vai e vem de encanto e desencanto de esperança e decepção, de confiança e desconfiança, de sonho e desilusão.
A Ordem não merece confiança a muitos, e muitos não confiam nesta Ordem. Esta constante contenda é outro dos motivos de enfraquecimento da agregação da classe, de desprestígio social, de desacerto com a Ordem quando esta gera desordem e discórdia.
Depois há aqueles, igualmente valorosos profissionais, que contribuem, e muito, sobretudo nas bases (nas inúmeras Delegações) e nas estruturas intermédias (nos sete Conselhos Regionais), para que a Ordem cumpra a sua missão de proximidade, por vezes indiferentes aos vendavais e também silenciosas acalmias que se instalam, ano após ano, com variações de timbre, no reino da Ordem em São Domingos. Entre o soberano de São Domingos e as centenas de esforçados membros das Delegações da Ordem vai uma diferença abissal de postura e de proveito para a classe, que surpreende, indigna e esmaga. O bom exemplo vem de baixo mas nem sempre repetido em cima.
A Ordem tem hoje vastos segmentos da profissão esmagados pelo silêncio e inoperância da Ordem. Há imensos advogados esmagados pelas condições de trabalho de exploração subordinada, pelos baixos honorários (salários) que auferem. Pela falta de assistência na doença, na saúde, no desemprego, no apoio à família. Pelas contribuições que pagam para a CPAS sem garantias de retorno na velhice.
Os dois factores de amarração à Ordem misturam-se hoje com a contestação emergente que exige direitos sociais e respeito pela pessoa.
Esta Ordem é uma grande associação com fraca vida associativa. Nisso encerra uma contradição que se verifica entre esse fraco associativismo interno de topo e o facto de ser a associação portuguesa com mais eleitos em órgãos intermédios e de base (cerca de 800).
Esta Ordem precisa de uma volta. Precisa de ser devolvida aos advogados. Precisa de deixar de ser uma feira de vãs vaidades. Precisa de ser representativa. Inclusiva. Dos advogados portugueses. É preciso pôr ordem na Ordem.