Ao fim de cinco anos de Lava-Jato, Odebrecht pede recuperação judicial
Construtora tem dívida equivalente a 19 mil milhões de euros. Grupo afasta cenário de falência.
A construtora brasileira Odebrecht, apanhada na Operação Lava-Jato pelo esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que envolveu altos quadros do grupo, acaba de entrar com um pedido de recuperação judicial na Comarca da Capital do Estado de São Paulo.
A decisão foi anunciada na segunda-feira e justificada com as “crises económicas” no Brasil e nos países e sectores de actividade do grupo. A braços com uma dívida de 83 mil milhões de reais (19 mil milhões de euros ao câmbio actual), o grupo de construção, engenharia, energia e química pretende conseguir uma reestruturação que envolve um perímetro de dívida de 51 mil milhões de reais (11,6 mil milhões de euros).
Segundo a Lusa, a recuperação envolve 21 empresas, incluindo a holding ODB e a Kieppe, que junta a participação da família Odebrecht. Assumindo o impacto da mega investigação judicial, a empresa reconhece que a sua capacidade financeira se complicou nos últimos anos com a dificuldade em obter novas fontes de liquidez.
A Lava-Jato, que já leva cinco anos, veio pôr a descoberto as ligações e casos de corrupção entre altos quadros da Odebrecht e políticos brasileiros, com ramificações que se estendem a irregularidades no financiamento de campanhas eleitorais (conhecidas no Brasil como “caixa dois”).
Do lado da empreiteira, houve 78 delações de executivos e ex-executivos da empresa. Entre eles, lembra o jornal espanhol El País, está o herdeiro Marcelo Odebrecht, condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, preso durante dois anos e meio e actualmente a cumprir pena em domiciliária.
A investigação da Lava-Jato a empresários, ex-presidentes, ministros e deputados, incluindo o ex-Presidente Lula da Silva, está hoje sob enorme controvérsia depois de o site de investigação The Intercept Brasil começar a divulgar conversas mantidas entre o juiz Sérgio Moro, actual ministro da Justiça no Governo de Jair Bolsonaro, e os procuradores do inquérito. As revelações que começaram a ser apelidadas de “Vaza-Jato” sugerem que o juiz interferiu no curso das investigações.
Danos na reputação
Ao anunciar o pedido de recuperação, a construtora faz uma referência indirecta ao processo e assume “erros”, ao afirmar: “O grupo Odebrecht chegou a ter mais de 180 mil empregados cinco anos atrás. Hoje, tem 48 mil postos de trabalho como consequência da crise económica que frustrou muitos dos planos de investimentos feitos pela ODB, do impacto reputacional pelos erros cometidos e da dificuldade pela qual empresas que colaboram com a Justiça passam para voltar a receber novos créditos e a ter seus serviços contratados.”
Os danos reputacionais não se ficam pela Lava-Jato. Ainda este ano, depois de serem descobertas práticas fraudulentas num projecto na Colômbia, a empresa foi excluída pelo Banco Mundial de participar em concursos públicos de projectos financiados pela organização, durante três anos.
Para a construtora, “a crise económica actual, associada a contratação de dívidas para os altos investimentos feitos pelo grupo na última década, impactou de forma significativa os negócios e [as] suas estruturas de capital”.
Apesar das dificuldades, a Odebrecht afasta o cenário de falência. “Muito pelo contrário”, enfatiza a construtora no seu site, num texto de perguntas e respostas onde explica que “a recuperação judicial parte do pressuposto de que a crise pela qual a empresa passa é momentânea” e que o grupo “tem condições de superá-la caso [as] suas dívidas sejam renegociadas”.
Se o processamento da recuperação judicial for deferido pelo juiz, a decisão vai permitir à empresa beneficiar da suspensão de todas as acções e execuções durante 180 dias, para negociar com os seus credores; será nomeado um administrador judicial e, em dois meses, a empresa tem de apresentar um plano de recuperação.
Muitas empresas estão fora do perímetro desta recuperação judicial: as empresas Braskem, Odebrecht Engenharia e Construção, Ocyan, Odebrecht Transport, Enseada Industria Naval, “alguns activos operacionais na América Latina” e as respectivas subsidiárias, assim como a Atvos Agroindustrial, já em recuperação judicial, a Odebrecht Corretora de Seguros, Odebrecht Previdência e Fundação Odebrecht.