Luz verde a Berardo pelo Banco de Portugal foi dada com base num “quadrinho”

Vice-governador diz que ninguém no supervisor bancário levantou dúvidas sobre o reforço de posição de Joe Berardo no BCP com base apenas num empréstimo da CGD.

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Nuno Ferreira Santos

Seis dados financeiros sobre a Fundação Berardo analisadas para um período de três anos. Foi tudo quando bastou para que o conselho de administração do Banco de Portugal (BdP) aprovasse o pedido de José Berardo para ter uma posição qualificada no BCP com crédito de 350 milhões dados pela Caixa Geral de Depósitos (CGD). Informação suficiente? Vítor Constâncio admite que não. Pedro Duarte Neves não respondeu nem sim, nem não. Para o conselho de administração do supervisor a conclusão é simples: “Não foram levantadas dúvidas” na reunião em que tudo foi aprovado, contou Duarte Neves.

Nas audições na comissão de inquérito à CGD, os dois responsáveis do BdP referiram por várias vezes que a decisão de não oposição ao reforço de posição de Berardo no BCP por parte do BdP tinha uma base legal e que essa legalidade era assegurada por uma proposta dos serviços de supervisão. Esse documento continha informação sobre três parâmetros: uma análise à situação financeira para haver a garantia de uma gestão “sã e prudente”, neste caso da Fundação Berardo, uma vez que era em nome da instituição que estava a ser feito o pedido; uma análise sobre a idoneidade da Fundação; e por fim a origem dos fundos mobilizados, que era um empréstimo da CGD sem que a Fundação avançasse com fundos próprios.

O que continha esse documento sobre estes três critérios é questionado pelos deputados, uma vez que da qualidade daquela informação dependeu a decisão final do BdP. Caso algum dos critérios não fosse cumprido, o supervisor já teria base legal para se opor ao pedido de Berardo e como consequência, o empréstimo da CGD de 350 milhões (que servia para a compra de acções do PSI-20, mas cujo o pedido de não oposição do BdP era sobre o BCP) poderia nem ter acontecido. 

Para os parlamentares, a informação financeira sobre a Fundação parece apenas uma “pseudo-análise” às contas e um “pró-forma”. Mariana Mortágua, do BE, considerou essa informação “altamente insuficiente” e baseada num “quadrinho”. O “quadrinho” a que se referiu a deputada tinha informações sobre seis dados financeiros referentes aos três anos anteriores (2004, 2005 e 2006): o activo, o capital próprio, o passivo, o total de proveitos, o total de custos e o resultado do exercício. 

Questionado sobre a qualidade desta informação, se era “suficiente”, o então governador, Vítor Constâncio chegou a dizer que não fez uma avaliação em detalhe, uma vez que não estava na reunião de 21 de Agosto de 2007 que aprovou o pedido de Berardo, mas que “se for apenas uma página e um quadro, não será suficiente”. E assegurou que nessa informação “era afirmado que a Fundação tinha uma situação historicamente sólida”.

Já Pedro Duarte Neves, o vice-governador da altura com o pelouro da supervisão, contornou por diversas vezes a pergunta: “A informação sobre a Fundação é essa que consta dessa proposta. (...) A informação que foi preparada tem estes elementos e foi com base nestes elementos que foi decidido que esta Fundação permitia uma gestão sã e prudente”. E era suficiente, insistia a deputada. “Estes elementos apontavam para uma empresa com um activo de um montante elevado, com capitais próprios elevados e com resultados do exercício positivos nos últimos dois anos. Estes foram os elementos utilizados na decisão”, referiu. 

Em causa está o facto de no documento base constar apenas um resumo das informações positivas e terem sido omitidas as reservas às contas. Na análise às contas feitas pelo departamento de risco da CGD, já apareciam várias reservas, como o facto de a Fundação contabilizar  as participações pelo valor de aquisição e não pelo valor de mercado, o que podia ser enganador. Estas reservas desapareceram pelo caminho.

Em segundo lugar, era avaliada a idoneidade do preponente e nesse ponto, a deputada Cecília Meireles do CDS questionou por várias vezes se o supervisor “não considerava estranho” que uma fundação investisse tanto dinheiro para comprar acções de um banco. As posições dos dois responsáveis do BdP coincidiam: as fundações são, por norma, investidoras.

O terceiro e último ponto em análise prende-se com a proveniência dos fundos que serviram para comprar as acções. Neste caso, empréstimo de um banco (CGD) para comprar acções de outro (BCP). Constâncio referiu que era habitual, que muitos outros bancos o fizeram, mas que só passavam pelo BdP se atingisse uma posição qualificada. Duarte Neves remeteu para a lei: “Foram cumpridos os requisitos legais que existiam na altura. Para o BdP se opor, teria de ter motivos que não existem de todo nesta informação. Esta decisão foi tomada com base nesta análise”.

O que os deputados contestam é exactamente o facto de o BdP validar um pedido que envolvia 350 milhões com tão pouca informação. “Se calhar houve algum problema na análise”, ironizou Cecília Meireles.

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