Quando os exames são realizados em dias quentes, as notas tendem a baixar
Um estudo de investigadores de Harvard conclui que as temperaturas elevadas têm um impacto negativo no desempenho dos alunos neste tipo de provas. A boa notícia é o que o IPMA não prevê mais de 30 graus Celsius para os próximos dias. A época de exames arranca nesta segunda-feira.
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) prevê temperaturas máximas durante a próxima semana que não irão muito além dos 30 graus Celsius — os distritos mais quentes serão Santarém, Portalegre, Évora, Faro e Castelo Branco. Estas previsões podem ser uma boa notícia, pelo menos para os mais de 150 mil alunos que vão fazer exames nacionais nos próximos dias. Porquê? Investigadores da Harvard Kennedy School of Government concluíram que nos dias quentes (mais de 32 graus Celsius), a performance dos alunos neste tipo de provas cai até 14%.
Apesar de o projecto centrar-se na avaliação dos alunos nova-iorquinos, os investigadores de Harvard dizem, em respostas enviadas ao PÚBLICO por e-mail, que “as conclusões são provavelmente verdadeiras em muitos outros países”.
Uma outra investigação coordenada por Mário Talaia, professor na Universidade de Aveiro, conclui que quando “o ambiente térmico de uma sala de aula não se situa na zona de conforto térmico os resultados da avaliação dos estudantes diminuem 3,9% por cada grau Celsius a mais”.
O PÚBLICO analisou os dados relativos a mais de 200 mil exames nacionais do secundário realizados na 1.ª fase, em Lisboa, entre 2008 e 2018 — existem dados detalhados sobre os resultados dos alunos em exames nacionais desde pelo menos o início dos anos 2000, mas o Ministério da Educação não os disponibilizou. E nas provas que se realizaram em dias mais quentes, as notas tendem a descer. As disciplinas mais afectadas são Física e Química, História e Matemática, que foram aquelas nas quais mais frequentemente os alunos prestaram provas em dias mais quentes, ao longo do período em causa. Já no caso de Português, Geografia e Biologia e Geologia, que tendem a realizar-se em dias em que a temperatura é mais amena, o impacto dos dias mais quentes não é visível.
Ao longo dos últimos dez anos, a temperatura média no dia dos exames, em Lisboa, aumentou ligeiramente — passou de 21,6 graus Celsius para 24,2 graus Celsius. E o fenómeno não passa ao lado dos investigadores que têm trabalhado o tema. “Na problemática actual de alterações climáticas, em que o aquecimento global é aceite, estudos desta natureza são importantes de modo a ser avaliado o conforto térmico como uma implicação no processo de ensino e de aprendizagem”, lê-se no trabalho do professor Mário Talaia.
Em respostas enviadas ao PÚBLICO, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) explica que, no que diz respeito às capacidades cognitivas, “as altas temperaturas parecem impactar quando falamos de calor mantido ao longo do tempo, de forma cumulativa”, por exemplo, quando estamos perante uma vaga de calor, “com temperaturas superiores a 35 graus Celsius e temperaturas mínimas acima dos 20 graus e sem a possibilidade de um arrefecimento corporal que permita uma sensação de conforto térmico”.
As crianças e adolescentes estão entre os mais vulneráveis ao calor “porque como o seu padrão metabólico ainda não está estabilizado pode ser afectado mais facilmente por factores externos, como o calor”. E caso “não existam mecanismos de compensação" o resultado pode ser “declínio da atenção, da concentração e da memória”.
Hidratação, sono e lugares frescos
“Já me neguei a dar aulas em determinados sítios onde não havia conforto térmico”, afirma o professor Mário Talaia. Porquê? “Não há nenhum aluno que tenha a mesma performance quando não está confortável.” E recorda: “Estive na prática pedagógica e orientei centenas de alunos em zonas como Viseu, Santa Comba Dão, Aveiro ou Águeda” e algumas realidades eram “chocantes”.
As condições na sala de aula são um problema em Portugal. Os investigadores de Harvard sugerem que uma forma de mitigar o efeito do calor pode passar pelo arrefecimento do espaço com recurso ao ar condicionado. O problema é que “a maioria das escolas não está preparada” para isso. E mesmo as que até têm os equipamentos instalados não conseguem, por vezes, suportar essa despesa, nota Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas.
Mas será o ar condicionado a única solução? Não. E há outras estratégias que estão sob o nosso controlo. A DGS sugere que, sempre que possível, devem procurar-se lugares mais frescos, beber água e dormir bem — “O sono é muito importante para o corpo poder reagir fisiologicamente ao calor, é fundamental que as crianças e os adolescentes durmam o suficiente, de modo a manterem o ritmo circadiano considerado adequado para estas idades”.
Uma dica adicional que se relaciona directamente com a performance nestas provas: “O stress provocado pelos exames, junto com o calor, é mais um factor a que afecta o rendimento cognitivo, pelo que é aconselhável ensinar às crianças e adolescentes técnicas simples de relaxamento, como as técnicas de respiração abdominal, ou outras.”
Já o professor Mário Talaia lembra a importância da adequação do vestuário à temperatura, que pode ser determinante para o conforto térmico.
Por sua vez, Filipe Duarte dos Santos, professor de Física na Universidade de Lisboa e especialista em alterações climáticas, nota que, nos últimos anos, “os picos no consumo de electricidade ocorrem no Verão” precisamente por causa do aumento das temperaturas. Evitar que os edifícios aqueçam tanto e poupar energia começa na sua construção — “Edifícios todos cobertos de vidro, em Lisboa, não fazem sentido.”