Não me lembro do dia em que me apercebi que os meus pais eram os meus pais, que os conheci, que os olhei como tal, que os reconheci conscientemente. Talvez desde sempre, poderão dizer vocês. Talvez. Talvez sempre tenha sabido que era de sempre e para sempre. Mas é engraçado pensar nisto hoje, a caminho dos 30 anos, altura em que os meus pais estavam a começar a pensar em mim, a idealizar-me, a sonhar comigo.
Do meu pai tenho o amor ao mar, ao silêncio, a paciência, o fascínio pelo campo. Talvez por ser um açoriano de gema que trocou o campo pela cidade por amor e com amor foi mostrando a importância do que tinha “largado”. Encontrou no continente algo que o aproximasse do sopro das ilhas açorianas. O Tejo, o Clube Naval, o Alentejo. O campo, a proximidade do ambiente. O homem que mandou a banca dar uma curva e abraçou o som das árvores. O valor e o respeito que se deve ter pela natureza. O homem que povoou o que outros abandonaram e que respeitou o que lá nasceu.
O homem que mandava baldes de gelo pelo duche abaixo caso estivesse a tomar banho há mais de cinco minutos, o homem que me fechava a torneira enquanto eu lavava os dentes, o homem que pede para levar o que outros possam estar a deitar fora. O homem que arrisca e que se por ventura falhar arrisca de novo porque entende que é no erro que está a salvação. O homem que afirma que ser bom hoje custa mas vale a pena. O homem que me ensinou tudo isto. O homem que todos os domingos diz: “Amanhã entro em regime, é sopa e fruta.”
Da minha mãe tenho o amor aos livros, às letras, à comunicação. O gosto pelas caminhadas e descobrir cidades a pé. O riso fácil, o humor lisboeta e talvez alguma ansiedade. Eu e a minha mãe, na verdade, não precisamos de falar muito e mesmo assim entendemo-nos. Entendemo-nos em silêncio. Como qualquer mãe com um filho, diria. O seu trabalho é também a sua salvação. A investigação, a busca constante, o estudo e as aulas. Dos gabinetes na Gulbenkian às aulas na Universidade Aberta, das conferências pela Europa à explicação nos museus locais, a História é o seu trabalho. O trabalho que também ficará parte dela.
Tenho um profundo orgulho nos meus pais, pelo que me mostraram. Eu cresci absolutamente fascinado com a história da minha família, a história que me fizeram questão de contar. Os lugares que descobri sem viver mal e acima de tudo, a importância e o perigo do luxo. Mostraram-me que o luxo não está no que se tem mas no bem que se faz com o que se tem. É uma verdadeira bênção ter uns pais que sempre me fomentaram a curiosidade pelo mundo, pelo que se passa fora da nossa casa, pelo que está para lá da linha do horizonte e de como isso também faz parte de nós. Somos um todo que se faz de gente, de histórias de outros. Os meus pais deram-me a maior lição: não se está sozinho em lado nenhum.
Gosto dos meus pais, da maneira como me mostram que a vida está longe de ser perfeita e que dentro das imperfeições, podemos ser majestosos e descobrir lugares incríveis.