Morreu Franco Zeffirelli, o homem da ópera que conquistou o cinema

Confidente de Maria Callas, discípulo de Luchino Visconti e vistoso encenador operático, foi também um dos cineastas mais populares do mundo nos anos 60 e 70, com Romeu e Julieta ou Jesus de Nazaré.

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Aclamado cineasta e encenador de ópera, Franco Zeffirelli morreu este sábado aos 96 anos PIERRE PERRIN/GETTY IMAGES,PIERRE PERRIN/GETTY IMAGES
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Franco Zeffirelli em sua casa em Abril de 2014 ALESSANDRO DI MEO/EPA
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Zeffirelli no funeral de Pavarotti em Modena, em 2007 Daniele La Monaca/Reuters
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Franco Zeffirelli com o tenor Placido Domingo Fred Prouser/Reuters

Franco Zeffirelli, encenador de teatro e de ópera e realizador de cinema, morreu este sábado em Roma, aos 96 anos, na sequência de doença prolongada. Aclamado nos palcos, aos quais fez subir, na década de 50, várias óperas com Maria Callas (incluindo a Traviata de Verdi e a Tosca de Puccini), e onde dirigiu também outras fulgurantes estrelas operáticas do século XX como Joan Sutherland, foi discípulo (e amante) de Luchino Visconti, é hoje mais recordado pelo seu Romeu e Julieta que conquistou multidões em 1968, ou pelo Jesus de Nazaré que dirigiu para televisão nos anos 1970.

Segundo o jornal italiano La Repubblica, Zeffirelli morreu “serenamente” em sua casa, “depois de uma longa doença”. Citando os seus filhos adoptivos, Pippo e Luciano Zeffirelli, o mesmo diário adianta que o corpo do cineasta estará em câmara ardente esta segunda-feira no Capitólio, em Roma. A sua fundação despede-se no seu site com um singelo "Ciao maestro”.

Natural de Florença, onde nasceu em 1923, foi o filho ilegítimo de um affaire escandaloso entre um homem e uma mulher casados, o comerciante de lãs e de sedas Ottorino Corsi, que nunca o perfilhou, e a estilista Alaide Garosi, que morreu quando Gianfranco tinha apenas seis anos. Por não poder dar-lhe o sobrenome do pai, a mãe decidirá registá-lo com o apelido Zeffiretti (as brisas mencionadas numa ópera que adorava, o Idomeneu de Mozart), que um erro na transcrição deturpará irreversivelmente. Após a morte de Alaide, será criado pela tia materna; o amor à arte, dizia tê-lo herdado do avô maestro. Adoptado pela comunidade britânica expatriada na Florença pré-Segunda Guerra Mundial, terá uma singular adolescência que em 1999 virá a ficcionar no seu penúltimo filme autobiográfico, Chá com Mussolini, em que Cher, Joan Plowright, Judi Dench, Lily Tomlin e Maggie Smith interpretam o círculo de imigradas que tomou o jovem Franco como “mascote”.

Após um período de estudos na Academia de Belas-Artes, Zeffirelli quis ser arquitecto, e chegou a ingressar na universidade, mas o projecto seria interrompido pela Segunda Guerra Mundial, e por um filme que o despertou para o poder da representação: o Henrique V de Laurence Olivier. Descobriu a sua verdadeira vocação com um gigante do cinema (e da ópera), Luchino Visconti. De passagem por Florença com a sua companhia de teatro, Visconti abriu as audições a actores locais e Gianfranco tentou a sua sorte, mas acabou rejeitado por causa do “sotaque toscano”. Visconti interessou-se porém por uns desenhos que trazia (trabalhava como pintor de cenários) e acabou por contratá-lo como assistente de cenografia – “porque ele nem sequer num pincel sabia segurar”, contará mais tarde Zeffirelli, aqui citado pelo La Repubblica.

Visconti fez dele seu assistente de realização (toda uma “universidade de cinema”, assumirá) em A Terra Treme (1948), Belíssima (1951) e Sentimento (1954), e depois seu cenógrafo – enquanto mantinham uma longa relação romântica. O primeiro grande trabalho de Zeffirelli seria, aliás, uma cenografia para a estreia italiana da peça de Tennessee Williams Um Eléctrico Chamado Desejo, encenada por Visconti. As décadas de 50 e de 60, dedicou-as sobretudo à ópera, com encenações de obras de Rossini e Donizzetti para o Scala de Milão, mas também com produções para a londrina Royal Opera House e a nova-iorquina Metropolitan Opera, por vezes recebidas com desagrado pelos críticos. O sucesso que então obteve, de resto com encenações que ainda hoje são repostas regularmente, prolongou-se até ao século XXI: o seu último trabalho como encenador de ópera (“um sonho cultivado durante dez anos”, escreve o La Repubblica) é uma nova Traviata que terá a sua estreia, póstuma, já na próxima sexta-feira, dia 21, na Arena de Verona. Tinha já um novo projecto em mãos, um Rigoletto para a Royal Opera House de Mascate, em Omã, a estrear a 17 de Setembro de 2020. No teatro, encenou Shakespeare no Old Vic, tendo assinado um Romeu e Julieta com Judi Dench e John Stride que ficou para a História.

O trabalho reiterado com Maria Callas, de quem foi confidente, marcou profundamente a sua carreira: dirigiu de resto a sua última aparição em palco, numa Tosca produzida pelo Covent Garden, em 1965. Foi também com uma homenagem a Callas que se despediu como cineasta: Callas Forever, de 2002, com Fanny Ardant, foi a última longa-metragem que dirigiu, mas arrepender-se-ia, pelo menos comercialmente, do gesto ("Esse filme foi um erro do ponto de vista das regras que governam o cinema comercial. Não se pode evocar uma personagem extraordinária sem a mostrar no seu momento mais alto; eu, pelo contrário, mostrei-a no fim, quando já não tinha voz. O público queria ver a Callas triunfar e não gostou do filme”, disse então, em frase também agora recordada pelo La Repubblica).

A sua carreira nos palcos foi regularmente interrompida por incursões no cinema, quase sempre com enorme êxito. A sua primeira longa-metragem, que se estreou em 1967, quando tinha já passado os 40 anos, foi A Fera Amansada, uma adaptação de Shakespeare originalmente pensada para Sofia Loren e Marcello Mastroianni, mas que acabaria por ter como estrelas o casal Elizabeth Taylor/Richard Burton, então no pico da sua fama global. Seria nomeado para o Óscar de Melhor Realizador pelo filme seguinte, Romeu e Julieta (1968), um enorme êxito popular durante muito tempo considerado a melhor versão cinematográfica da tragédia clássica, filmada em cenários naturais com dois jovens actores nos papéis principais, Olivia Hussey e Leonard Whiting.

Depois de uma biografia de S. Francisco de Assis em 1972, Zeffirelli filmou para televisão a história de Jesus Cristo numa popularíssima minissérie de seis horas com a colaboração no argumento de Anthony Burgess e um elenco liderado por Robert Powell que incluia ainda Claudia Cardinale, James Mason, Laurence Olivier, Anthony Quinn ou Ralph Richardson. No cinema obteve ainda grandes sucessos com O Campeão (1979), remake de um clássico dos anos 1930 com Jon Voight e Faye Dunaway, ou Um Amor Infinito (1981), romance adolescente com Brooke Shields no papel principal cuja montagem final Zeffirelli desautorizou. 

Rodou Hamlet com Mel Gibson e Glenn Close em 1990, e a Jane Eyre de Charlotte Brontë com William Hurt e Charlotte Gainsbourg em 1996. Levou também ao cinema várias óperas, numa longa colaboração com o tenor Plácido Domingo durante a década de 1980, incluindo PagliacciCavalleria RusticanaLa Traviata (todos de 1982) e Otello (1986).

Armado Cavaleiro do Império Britânico em 2004 pela rainha Isabel II, Zeffirelli experimentou também a política: entre 1994 e 2001, cumpriu dois mandatos no Senado italiano ao serviço da Forza Italia de Silvio Berlusconi, de quem era muito amigo, tendo assumido posições muitas vezes ultra-conservadoras. Homossexual discreto que não gostava de usar a palavra gay e católico devoto, Franco Zeffirelli era pai adoptivo de dois jovens, Giuseppe e Luciano, igualmente seus assistentes e secretários

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