Forum Cidadania preocupado com alteração da fachada da Cunha
Novo projecto de habitação para Edifício Emporium, onde fica o histórico restaurante Cunha, inclui mudanças na fachada. Câmara do Porto deu parecer positivo ao projecto e considera estarem “salvaguardados os valores patrimoniais e culturais” do espaço
A novela vai longa e o momento de maior tensão, onde se temeu o encerramento do histórico restaurante Cunha, já ficou para trás. Mas depois desse episódio feliz - e da classificação do espaço pelo projecto camarário Porto de Tradição -, um novo capítulo se principia. Salvo o restaurante e condenada ao fecho a confeitaria, a empresa que comprou o edifício Emporium já tornou públicos os primeiros esboços do que pretende fazer no espaço. E o Forum Cidadania Porto não gostou. Em causa, diz José Pedro Tenreiro, estão alterações na fachada que fazer “desaparecer a marca da arquitectura” que torna o edifício notável. “Ficará reduzido ao interior do restaurante e isso é reduzir para metade o interesse da loja.”
A confeitaria Cunha, com entrada na Rua Sá da Bandeira, fechou portas em Fevereiro, e nesse mesmo mês a Câmara do Porto deu um parecer positivo para o novo projecto de arquitectura da Emporium 658 - Investimentos Imobiliários, Lda, prevendo-se a “alteração e ampliação de edifício com vista à alteração de uso de serviços para habitação colectiva”. Na internet circulam já imagens de antevisão do projecto - com 23 apartamentos de luxo, com tipologias entre T1 e o T4, a maioria já vendidos ou reservados - o grupo cívico portuense notou algumas alterações preocupantes.
“Enquanto que o interior do restaurante é mais interessante do que o exterior, no caso da confeitaria é o oposto”, começou por explicar o arquitecto José Pedro Tenreiro, mostrando-se convicto de que “não faz sentido estar a preservar o interior do restaurante e não preservar o exterior da confeitaria pelo menos nas linhas essenciais”.
E o principal, no caso, é o “desenho do gaveto no exterior entre as duas ruas”, Sá da Bandeira e Guedes de Azevedo. De acordo com as imagens conhecidas, há pelo menos um “desaparecimento da pala, das escadas, do revestimento da entrada e do formato do passeio”. Com estas alterações, a placa onde se referiam os nomes dos arquitectos responsáveis pelo desenho da Cunha - Victor Palla, Bento d'Almeida e o filho deste, João Bento d’Almeida -, poderá também desaparecer. Isto além da aparente eliminação de algumas “escadarias e átrios” onde havia “algumas peças interessantes”.
A preocupação do Forum Cidadania já chegou, por escrito, à Câmara do Porto. Ainda que o grupo saiba estar a pedir atenção a um espaço não protegido pelo Porto de Tradição, uma vez que a classificação foi dada ao restaurante e não à confeitaria, entende ser razoável que a fachada seja “entendida como parte integrante do espaço protegido”. Em resposta ao PÚBLICO, a autarquia diz que o “projecto de arquitectura aprovado não põe em causa o valor arquitectónico e a história do Edifício Emporium, que está inventariado (não classificado) como imóvel de interesse patrimonial”. A Divisão Municipal de Património Cultural considerou não haver “qualquer impacto negativo no edificado, permanecendo salvaguardados os valores patrimoniais e culturais envolvidos” e deu, por isso, um parecer positivo ao novo projecto.
A Cunha abriu a 31 de Março de 1906, ainda na Rua de Santa Catarina, junto à capela das Almas, e era à época uma padaria pertencente à “família dos Bonitos”, cujos descendentes têm ainda casas de fabrico de chocolate artesanal. É já nos anos 30 que a Cunha se consagra como confeitaria, com o Bolo Rei como imagem de marca, e se muda para uma casa do outro lado da mesma rua.
Só mais tarde chegaria o restaurante e se daria a mudança para o Edifício Emporium, construído em 1949 pelo arquitecto José Porto. No interior, a obra tinha o carimbo da dupla Victor Palla e Bento d’Almeida e importava da América para o Porto a ideia de comer ao balcão e de um contacto mais directo com o público.
Os arquitectos mediatizaram-se pelo desenho de cafés e restaurantes e no Porto a Cunha é o último sobrevivente dessas obras. Em Lisboa também já poucos resistem.
Este caso, sublinha José Pedro Tenreiro, não vale apenas por si. É para o Forum Cidadania a prova de que as lojas classificadas pelo Porto de Tradição “não estão assim tão acauteladas como possa parecer”. Há exemplos para o provar: “Há um ano fecharam a Regaleira com a lengalenga de que iria reabrir noutro espaço, mas até agora não aconteceu”, exemplifica. E há mais casos debaixo do olho do grupo cívico: a Casa Arcozelo e a Confeitaria Serrana - ambas num edifício na Rua do Loureiro adquirido pelo proprietário da Lello, que comprou há uma semana o Teatro Sá da Bandeira e tem feito investimentos de milhões na cidade – estão ainda em risco.