Obra quase arrasou o mais antigo forno romano no Algarve
O forno só não foi destruído devido ao alerta, dado para a Universidade, por um cidadão inglês que mora nas proximidades, membro da Associação de Arqueologia do Algarve.
Um empreiteiro de Castro Marim que adquiriu um terreno para fazer um depósito de materiais de construção no sítio dos Olhos, no lugar de S. Bartolomeu da freguesia e concelho de Castro Marim, fez movimentações de terras no local, quase destruindo o mais antigo forno romano da região, datado do século II, que José Leite de Vasconcelos, fundador do Museu Nacional de Arqueologia, em 1896, tinha descoberto, tendo feito o seu levantamento, desenho, registo e de onde recolheu mais de uma dezena de ânforas.
O sítio, que faz parte do Endovélico – Sistema de Informação e Gestão Arqueológica da Direcção-Geral de Património Cultural – é como se não existisse por falta de informação geral. “Infelizmente, aquela zona, foz do Guadiana, é muito volátil: as fábricas que existiam estão soterradas ou foram arrasadas”, observa João Bernardes, da Universidade do Algarve (Ualg). A terraplenagem em causa – efectuada na zona de Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António – não foi submetida a qualquer pedido de apreciação autárquica ou parecer do ICNF, ao contrário do que seria obrigatório por se tratar de uma área protegida.
“Estamos perante o mais antigo Centro Oleiro Romano do Algarve, do século II”, diz o professor da Ualg, especialista em Arqueologia Romana. O facto de as peças serem assinadas por um oleiro local, com as iniciais L.F.T., diz, “constitui caso único da época romana [na região], e um dos poucos do país – aparece em Peniche e pouco mais”.
O forno só não foi destruído, prossegue, devido ao alerta, dado para a Ualg, por um cidadão inglês que mora nas proximidades, membro da Associação de Arqueologia do Algarve. De resto, esta associação, formada maioritariamente por estrangeiros reformado tem vindo a desenvolver várias actividades ligadas à defesa do património no Museu de São Brás de Alportel.
A Direcção Regional de Cultura do Algarve (DRCA), ao tomar conhecimento, no passado mês de Novembro, da movimentação de terras no sítio dos Olhos accionou os seus meios próprios e pediu ajuda ao Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente (Sepna), da GNR, para identificar o proprietário do terreno e o dono da máquina.
“Surgiram as dificuldades do costume”, conta Cristina Garcia, arqueóloga da DRCA: “Ninguém conhece, ninguém sabe de nada”. No local chegou a ser construída uma casa por um cidadão estrangeiro.
Por fim, a investigação concluiu que, afinal, os trabalhos estavam a ser realizados à pressa, ao fim-de-semana, para esconder eventuais achados arqueológicos. As obras, sem licença, foram interrompidas. Seguiu-se aquilo que a lei impõe: realização de trabalhos arqueológicos de minimização dos impactos negativos, pagos pelo proprietário.
O concelho de Castro Marim apresenta ainda alguns sinais de que foi no passado: um centro importante de fábricas de preparado (salgas) de peixe e de olaria, donde saíram ânforas para envasar os produtos piscícolas por todo o mundo romano. Segundo trabalhos de investigação desenvolvidos na Ualg, entre Manta Rota (Vila Real de Santo António) e Sagres existiram cerca de 30 sítios que foram fábricas (oficinas) de transformação de peixe. Na zona, existiram mais dois ou três fornos romanos, que terão sido total ou parcialmente destruídos.
“Castro Marim possui o forno mais antigo”, sublinha João Bernardes. E por, em grandes letras, o cartaz de promoção turística da vila anuncia: “Uma terra com história”. Porém, é o único concelho da região que não tem um arqueólogo ao seu serviço. A directora regional de Cultura, Adriana Nogueira, lembra que se “pretendeu fazer pedagogia” com este caso ao procurar envolver a população local na recolha dos materiais cerâmicos – fragmentos de bojos de ânforas e material de construção do forno.
Os trabalhos arqueológicos foram realizados por Eliana Correia e Francisco Correia, com a ajuda de moradores e do proprietário. O relatório final foi entregue há pouco tempo na DRCA, mas ainda não foi apreciado. O coordenador científico, João Bernardes, recebeu 40 caixas de peças, que vão ser analisadas e estudadas durante o próximo ano lectivo. O material, adiantou, “tem algum valor científico”.
João Bernardes lembra que a nova agricultura da plantação de abacateiros, no Algarve, e de olival, no Alentejo, obriga a “desmontar grandes porções de terreno, e muitos sítios arqueológicos estão ser destruídos por esta via”. Pelo facto de se tratar de terrenos agrícolas, sublinhou, “não existe qualquer impedimento legal para esse tipo de intervenção”