Senhor presidente
Não conte com obediência cega, mas com uma postura leal e séria. Senhor presidente, não desertarei do PSD.
Senhor presidente, estou a escrever-lhe uma carta que lerá ou não, se para tal tiver tempo.
Senhor presidente, a minha deserção será apenas a de nada querer, no que respeita a cargos ou outras sinecuras, que poderá oferecer a quem os quiser ter. Mas eu estou muito longe de os querer.
Senhor presidente,
No mais não desertarei, mesmo percorrendo o caminho das pedras. Estou habituada a andar. No que toca à minha consciência e à minha lealdade, a elas obedecerei, será a minha verdade e delas não me desviarei.
Senhor presidente, a lealdade não é o seguidismo, não é a concordância acrítica, nem tão pouco calar erros que se podem evitar. Agradeci mil vezes aos que me indicaram outra direcção, quando me demonstraram que a minha estava errada.
Senhor presidente,
Muitos dos que o cercam não lhe dizem a verdade, mas esses não são nobre gente. Gente nobre não curva a cerviz, nem se curva servilmente.
Senhor presidente,
Não transforme o PSD num partido acéfalo, marchando sempre e apenas ao som da musical direcção.
Nunca tal foi prática e V. Exa é testemunha disso, diria, privilegiada. Teve essa liberdade e bem a saboreou, sem qualquer sanção ou ameaça.
Deixe-nos pensar, deixe-nos falar, deixe-nos contribuir e sobretudo trabalhar em prol do que sempre foram os nossos ideais.
Senhor presidente: deixe a exclusão, adopte a inclusão. Não é de boas contas excluir tanta da nossa gente, nem encarcerá-la em masmorras ideológicas, pois não compreenderão e desertarão.
Senhor presidente,
Também não fica mal assumir erros próprios, mas mal será atribuí-los a terceiros.
Senhor presidente,
Não queira ser ditador, sem alma e sem dor, isolado em qualquer corredor, longe de quase todos nós. Não mate a matriz do PSD, não abandone as nossas causas que hoje ninguém vê.
Fomos primeiros na defesa do ambiente, da ética na política, do fim da impunidade, no combate à corrupção, na recuperação do país e não esgotei as nossas causas. Mas quem se lembra disso?
Senhor presidente,
Não se esconda. Não transforme o PSD num partido afastado dos problemas dos que habitam as grandes cidades e que se sentiram desconsiderados e, quanto ao interior, nada se viu.
Líderes existirão poucos, mas é o presidente do meu partido, no qual milito e do qual não vou desertar.
Combaterei ao lado de medidas como o reforço da autonomia do Conselho Superior do Ministério Público e do não condicionamento dos media.
Deixe isso para os partidos totalitários, que essa é a sua matriz.
Não conte com obediência cega, mas com uma postura leal e séria.
Senhor presidente, não desertarei do PSD.
(Inspirado e parafraseado de O Desertor, de Boris Vian)
Nota: um lapso lamentável fez com que a fotografia que acompanha este texto na edição impressa do PÚBLICO tenha sido a do Presidente da República e não a do presidente do PSD. As nossas desculpas aos visados e aos leitores.