A negativa
Serão assim tão surpreendentes os resultados excelentes de uma avaliação objetiva no ensino superior?
Tem-se falado sobre populismo e redes sociais, mas convém também ter atenção ao populismo nos meios de comunicação. É conhecida a estratégia populista de clivagem entre um nós e um Outro. Nesse movimento atribui-se ao Outro um roubo do gozo, o qual é subtraído aos demais. É uma estratégia de antagonismo antiga, que cria inimigos públicos para logo queimá-los.
Parece que a tocha chega agora aos professores do ensino superior, sob a pena da avaliação de desempenho. Como dizem os ingleses, quando as emoções correm alto, a lógica corre baixa.
Começo pelo óbvio. As carreiras docentes do ensino superior possuem exigência à entrada, com diversas provas, quer na qualificação, quer na admissão. Que o clientelismo e a autocracia possam contaminar esses processos é algo que procuramos combater.
Somado a essa exigência, as progressões remuneratórias só podem resultar ou (na interpretação do Governo e das instituições) por acumulação de seis anos de Excelente na avaliação de desempenho, ou por concurso para categoria superior. Note-se: progressão apenas com seis anos consecutivos de Excelente, ao contrário do sistema de tempo de serviço, ou de acumulação de 10 pontos.
Sendo o tema a avaliação de desempenho, convido-os a consular as grelhas das diversas instituições e o seu nível de detalhe. Tudo é escrutinado, num processo de avaliação por pares (cada instituição tem relatores responsáveis pelos processos individuais, uma Comissão, sendo o processo conduzido pelo Conselho Científico), que procura ser objetivo, claro e isento.
Perante essa objetividade, há quem deseje que a opinião dos alunos tenha maior peso na avaliação, sendo determinante na contratação, há quem queira que as taxas de reprovação de docentes sejam maiores (sendo inversamente proporcional ao que defendem para a taxa de reprovação dos alunos), que se rescindam mais contratos, bem como um sem número de outras opiniões, que valem o que valem. Nada contra o jornalismo posicionado, desde que assumido.
Porque os números importam, convém ter em atenção as consequências do pretenso “regabofe” da avaliação dos docentes do superior. Após 14 anos de congelamento, apenas progrediram de escalão 28,8% dos docentes. Deixo uma tabela para que se perceba bem as discrepâncias de um modelo injusto e profundamente desequilibrado.
Estes 28,8% não resultam de quotas. Progrediram apenas os que alcançaram seis anos consecutivos de Excelente. Se fosse aplicado o sistema de progressão com 10 pontos, mesmo que sem quotas, só progrediriam mais 1500 docentes (10%), com um impacto de três milhões de euros, num sistema em que os docentes e investigadores angariam perto de 600 milhões em financiamento. São esses milhões que mantêm o sistema à tona.
Christpher Freeman afirmou que quando se coloca uma métrica todos procurarão alcançá-la. Serão por isso tão surpreendentes os resultados excelentes de uma avaliação objetiva? Alguém está desatento ao crescimento da nossa produção científica? Percebem o perfil de docente de que estamos a falar?
Pelo amor que tenho ao Idealismo Alemão, não deixo de achar curioso que os defensores das quotas apliquem o princípio de que quando a realidade não está de acordo com o modelo, então que se lixe a realidade. Não deixa de ser ainda mais curioso que pretensos paladinos contra a ação opressora do Estado defendam que se lixe o mérito individual.
A avaliação não deve ser uma medida punitiva, seja na mão de docentes, ou de alunos. Haverá sempre quem queira o mal dos outros. Que predomine na caixa do comentário é sintomático. Que se torne ideologia de governação é mais grave.
Se queremos mesmo analisar a avaliação, sugiro que se simulem perfis e se verifique o resultado por instituição. Veja-se também a avaliação de reitores e presidentes de politécnico. Aí se perceberá o que convém mesmo rever.
Haverá quem queira aplicar cegamente quotas a todos os alunos e a todas as profissões. Será mais uma cruzada dos pretensos cavaleiros da liberdade e, como sempre, pela negativa. O meu professor de didática apelidava-os de professores da caneta encarnada. Alguns também gostam muito de lápis azul.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico