PSD diz que o Governo foge de legislar sobre nomeação de primos mas PS corre riscos constitucionais
Proposta do PS ainda está na Comissão da Transparência e deverá ser discutida em plenário no próximo mês. Sociais-democratas alegam que a proposta é inconstitucional porque legislar sobre os gabinetes dos Governo é uma competência exclusiva do executivo.
O problema está na interpretação de uma norma da Constituição que define quais as matérias da competência legislativa exclusiva do Governo ou aquelas que pode partilhar com a Assembleia da República. O PS considera que o Parlamento pode propor alterações à lei dos gabinetes para impedir a nomeação, por governantes, de parentes até ao quarto grau; o PSD considera que a organização e funcionamento daqueles gabinetes é matéria da exclusiva competência do Governo e, por isso, se há mudanças a fazer na lei, é o executivo quem as deve propor.
Por isso, o deputado social-democrata Álvaro Batista não esteve com meias palavras nesta terça-feira, na Comissão para o Reforço da Transparência, onde a proposta do PS foi parar. Se a questão é matéria exclusiva do Governo, então, se é o PS que apresenta uma proposta no Parlamento - onde ela não pode ser discutida - isso faz “pressupor que o Governo não está a querer assumir as suas responsabilidades em termos de auto-regulação da sua organização e funcionamento” e está mesmo a “querer, de alguma forma, desculpabilizar-se pelas situações que têm vindo recorrentemente anunciadas na comunicação social”.
Álvaro Batista referia-se ao mais recente caso que levou ao pedido de demissão do secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, no início de Abril, depois de se ter sabido que tinha nomeado para o seu gabinete, como adjunto, o primo - que foi, aliás, o primeiro a demitir-se. O episódio aconteceu dias depois de António Costa ter afirmado, numa entrevista, que seria inadmissível ter no executivo casos de nomeações directas de familiares.
O deputado social-democrata falava durante a discussão do parecer do Bloco sobre a proposta do PS, um dos passos do processo legislativo em que se analisa técnica e juridicamente as iniciativas que dão entrada no Parlamento. Álvaro Batista pediu que o BE incluísse no relatório a informação de que na comissão se levantou a dúvida sobre a constitucionalidade da proposta do Bloco, alegando ser uma questão “técnico-jurídica e também política” importante.
O socialista Pedro Delgado Alves recusou qualquer inconstitucionalidade, argumentando que a proposta sobre as limitações às nomeações não é sobre a organização e composição do Governo - matéria que é da competência exclusiva -, mas é antes uma proposta “transversalmente aplicada a todos os gabinetes”, sejam do Governo, da Presidência da República, do Parlamento ou até das autarquias locais.
O presidente da Comissão para a Transparência, o também social-democrata Luís Marques Guedes, veio em socorro de Álvaro Batista, dizendo ser um “absurdo que o Parlamento condicione o funcionamento interno dos gabinetes do Governo” e por isso é que a Constituição lhe proíbe esta intromissão.
A proposta do PS prevê que os membros do Governo não possam nomear para o exercício de funções nos seus gabinetes os seus cônjuges ou unidos de facto e os filhos destes, os seus ascendentes e descendentes, os seus sogros, os irmãos e respectivos cônjuges e unidos de facto, os seus parentes até ao quarto grau na linha colateral (os primos directos), nem as pessoas com quem tenham uma relação de adopção, tutela ou apadrinhamento civil (padrinhos e afilhados).
Esta inibição aplica-se a todo o Governo mas também aos gabinetes de apoio aos titulares de cargos políticos e públicos, incluindo as casas Civil e Militar da Presidência da República, os gabinetes da Assembleia da República, dos parlamentos dos Açores e da Madeira, assim como dos respectivos grupos parlamentares e ainda dos órgãos das autarquias locais. E aplica-se às nomeações feitas pelos membros do Governo para o exercício de cargos de direcção superior, que também não podem participar nas deliberações do Conselho de Ministros que envolvam os seus familiares.
Boa parte das perguntas de António Costa não foram respondidas
A ideia sobre a alteração da lei foi lançada pelo primeiro-ministro num debate quinzenal, depois de acossado pelo líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, sobre se não tinha pessoas qualificadas para nomear que não fossem familiares de governantes. António Costa até defendeu que o assunto devia ser discutido pela Comissão para o Reforço da Transparência e deixou logo uma lista enorme de perguntas a que a legislação devia responder.
“Qual deve ser o grau de limitação dos direitos dos familiares de qualquer titular de cargo político? Limitação deve incidir só sobre cargos de nomeação ou também sobre cargos electivos? Sobre cargos de nomeação antecedidos de concurso ou só os de nomeação livre? Os cargos de competência técnica ou os de confiança política? Qual é o grau de incompatibilidade que se deve estabelecer? É num governo relativamente a outros membros do governo ou entre membros do governo e titulares de outros órgãos de soberania? O impedimento é só para deputados da Assembleia da República dos partidos que apoiam o Governo ou abrange também familiares de deputados de partidos da oposição? Deve referir-se também ao Presidente da República? Refere-se também a titulares de órgãos autárquicos? Devem ser limitações quanto a casos actuais ou também cargos anteriores? Qual é o período de anterioridade relevante? Qual o grau de parentesco e de familiaridade que deve ser interdito? Onde é que se traça a fronteira? É onde está delimitado no Código de Procedimento Administrativo? É discricionário? São só parentes em linha directa?”, questionou, de rajada, António Costa.
O Presidente da República apressou-se a aplaudir a revisão da lei e até terá apresentado uma proposta de texto a António Costa, que interditava, no caso da Presidência da República, nomeações de familiares até ao sexto grau - primos mais distantes do que na redacção socialista.