Honrar Arnaut é aprovar uma lei de bases
Assumir o legado de António Arnaut e de João Semedo é chegar a consenso dentro da maioria de esquerda – que foi o que fez a direita quando lhe coube governar.
António Arnaut foi até à sua morte a consciência do PS por boas razões: criou um dos maiores bens da democracia, o Serviço Nacional de Saúde, e foi sempre um homem impoluto, um servidor público no que de mais nobre a expressão comporta. Era o presidente honorário do PS mas foi com outro homem excepcional, o médico e ex-coordenador do Bloco de Esquerda, João Semedo, que fez a Lei de Bases da Saúde que o Bloco apresentou na Assembleia da República. Estão os dois mortos.
Honrar a memória de Arnaut e Semedo é aprovar uma Lei de Bases da Saúde nesta legislatura que substitua a lei aprovada durante um governo Cavaco. Nem Semedo nem Arnaut perdoariam que se perdesse esta oportunidade por causa de um finca-pé por causa da formulação sobre as PPP. É este apelo que faz outro notável médico, um homem de esquerda e ex-militante comunista, Mário Jorge Neves.
Catarina Martins percebeu que, depois do extremar de posições entre Bloco de Esquerda e Governo, mais valia recuar e juntar-se à posição do PCP. Seria um tremendo erro político a maioria de esquerda desentender-se na 25.ª hora e com isso impedir a correcção possível de uma lei que está em vigor e foi produzida por uma maioria absoluta do PSD.
Como há uns tempos explicou Dulce Salzedas, a jornalista especializada em saúde da SIC, a lei do Serviço Nacional de Saúde de 1979, a grande obra de António Arnaut que só foi aprovada à esquerda, sempre contemplou contratos com privados. Na verdade, era uma lei bem mais “liberal” do que a actual proposta do PS. Assumir o legado de António Arnaut e de João Semedo é chegar a consenso dentro da maioria de esquerda – que foi o que fez a direita quando lhe coube governar. Será trágico perder a oportunidade.
Ouçam Mário Jorge Neves, que lembra, e bem, que “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar” e que “hipervalorizar as PPP desvalorizando o que já foi conseguido”, como as isenções de taxas moderadoras ou “a definição estratégica do primado da gestão pública”, é um erro crasso. Ou, como diz o médico, “uma atitude irrealista pouco consentânea com a defesa do SNS”. Arnaut e Semedo defenderiam o que diz Mário Jorge Neves.