As Cinco de Monterey estão de volta (e agora trazem Meryl)
Não se esperava que Big Little Lies tivesse uma segunda temporada, mas a partir desta segunda-feira aí está ela. Shailene Woodley explica o que mudou e o que não mudou na série-fenómeno onde Meryl Streep se junta a um elenco que já contava com Nicole Kidman, Reese Witherspoon e Laura Dern
“Ninguém estava à espera,” diz a actriz Shailene Woodley, sentada numa suíte de um hotel luxuoso do Soho nova-iorquino. “E vou ser sincera, estou tão no escuro como vocês, porque não sei exactamente o que vai acontecer a todas as personagens.”
Secretismo conspirativo, pista falsa ou desconhecimento genuíno? À medida que os vinte minutos desta mesa redonda com jornalistas de todo o mundo decorrem, a dúvida fica no ar. Estamos em finais de Março, e ninguém à volta da mesa viu mais do que dois minutos de imagens da segunda temporada de Big Little Lies, o fenómeno de popularidade da HBO que todos achavam ter acabado de vez mas que, para surpresa geral, tem continuação a partir desta segunda-feira no canal de Os Sopranos e Sete Palmos de Terra.
Shailene Woodley (n. 1991), que descobrimos como filha de George Clooney em Os Descendentes, está hoje impecavelmente produzida, a milhas da imagem descontraída que tinha nesse filme (ou noutros como A Culpa É das Estrelas). Como convém a uma actriz que, apesar de ser a mais jovem cabeça de cartaz de um elenco que inclui Nicole Kidman, Reese Witherspoon, Laura Dern e Zoë Kravitz, foi nomeada para o Globo de Ouro e para o Emmy de Melhor Actriz Secundária pelo papel de Jane, a mãe solteira que foge a um segredo do seu passado.
Mas a conversa dá a entender que Woodley não está em posse de todos os dados sobre a nova leva de episódios. Em Março, quando esta ronda de entrevistas tem lugar, não existe ainda uma data de estreia para a segunda temporada, e é legítimo pensar se o secretismo é imposição das altas instâncias (e sabemos como Hollywood leva essas minudências quase ao absurdo) ou mero reflexo de um trabalho que ainda não está terminado.
Certo é que a ideia de uma segunda temporada de Big Little Lies apanhou mesmo toda a gente de surpresa. Em 2017, os sete episódios adaptados pelo veterano David E. Kelley (criador de As Teias da Lei, Ally McBeal ou Boston Legal) do best-seller de Liane Moriarty Pequenas Grandes Mentiras, sobre os segredos de cinco mulheres na comunidade californiana de Monterey, venceram oito Emmys, num total de 16 nomeações, e quatro Globos de Ouro – com prémios para Nicole Kidman, Laura Dern e Alexander Skarsgård e o realizador Jean-Marc Vallée (A Jovem Vitória ou O Clube de Dallas).
Nessa altura, toda a gente, de Vallée a Reese Witherspoon (que para lá de ter um dos papéis principais é também produtora), veio a terreiro dizer que tudo tinha sido tão bonito e corrido tão bem que seria impensável fazer uma sequela — além de que o livro de Liane Moriarty era uma narrativa fechada. Mas com a “galinha dos ovos de ouro” Guerra dos Tronos a dar as últimas, o fenómeno que a primeira temporada tinha criado não podia ser assim desbaratado.
Até nos cabeleireiros
“Eu não estava nos EUA quando Big Little Lies estreou,” explica Woodley entre risos. “Quando cheguei a Los Angeles fui directa do aeroporto para o meu cabeleireiro, porque tinha de pintar o cabelo para um projecto. E enquanto lá estava comecei a ouvir o pessoal todo a falar da série. Sabem como são os cabeleireiros… Pergunto ‘o que é que se passa?’ e dizem-me ‘Não sabes? A sério?’ E eu não sabia mesmo. Dei por mim a pensar, bom, se se fala disto nos cabeleireiros...”
O êxito da primeira temporada ultrapassou todas as expectativas: “Esperávamos que a série corresse bem porque tínhamos um elenco de primeira e, pronto, havia o selo da HBO. Mas isto? Não.” Quando finalmente se chegou a acordo sobre o regresso de Big Little Lies, Liane Moriarty propôs uma nova trama a David E. Kelley, prolongando a história das “Cinco de Monterey” — com a chegada de um nome de peso, no papel de sogra da personagem de Nicole Kidman: Meryl Streep, a mulher quase unanimemente considerada a maior actriz do mundo. “Sim, sim, os boatos são todos verdade!” admite Woodley. “É uma artista brilhante e é também alguém que, assim que entra numa sala, quebra logo a tensão — porque trata exactamente todas as pessoas da mesma maneira, seja um jornalista, a Nicole ou um motorista.”
Meryl Streep, a precursora
Não é a primeira vez que Streep actua em televisão (venceu dois Emmy pelas mini-séries Holocausto e Angels in America), mas é significativo que tenha aceite fazer parte de uma série precursora dos movimentos Time’s Up, a favor da igualdade de tratamento para o sexo feminino, e #MeToo, contra o assédio sexual – por ter sido produzida e desenvolvida por mulheres, por contar uma história de mulheres, e por dar a “parte de leão” a actrizes, apesar de ter sido posta em marcha antes do caso Harvey Weinstein ter atirado essas questões para as manchetes dos jornais. “Não foi Hollywood que lançou o movimento,” anui Woodley. “O #MeToo começou muito mais organicamente, Hollywood limitou-se a ‘atear as chamas’. O timing [da primeira série] foi completamente imprevisível. Claro que com os novos episódios estávamos super-conscientes da questão, mas isso não afectou de maneira nenhuma o modo como trabalhámos. A diferença significativa está no modo como os media falam disso agora, existem diferenças de perspectiva que não existiam há um ano.”
Houve também uma alteração de realizador: Jean-Marc Vallée cedeu o leme à britânica Andrea Arnold (American Honey), cujo cinema é muito menos “certinho” do que o do canadiano. O girl power parece sair amplificado, mas Woodley é peremptória que é uma evolução na continuidade e não uma ruptura: “Tanto ele como ela filmam a 360 graus, isto é, não existe ‘fora de campo’ porque a qualquer altura um deles pode pedir ao operador que vire a câmara para nós. Nesse aspecto, são muito parecidos: são cineastas mais interessados na textura entre momentos do que no que está escrito na página”. Ainda assim, Shailene não poupa elogios à realizadora inglesa: “Ela apanhou com muitas coisas – entrar do zero na segunda temporada, navegar todas as personalidades no plateau, lidar com um guião que estava constantemente a mudar enquanto rodávamos. E a Andrea foi incrível. A sua estética baseia-se por inteiro em momentos orgânicos, autênticos. Filma como se estivesse a fazer um documentário, nunca sabemos onde a câmara está. Tem tudo a ver com sentir o momento e ela quer apanhar isso.”
Se tudo isto dá a impressão que a actriz podia estar a falar de cinema e não de televisão, a própria admite que as fronteiras estão cada vez mais diluídas (afinal, Woodley experimentou o “cinema serializado” com os três episódios de Divergente, adaptando os romances juvenis de Veronica Roth...). “Não tive nunca a impressão de estar a fazer televisão, pareceu-me sempre estar a rodar um filme mais longo do que o costume”, explica. “Como em ambas as temporadas são sempre o mesmo realizador e o mesmo argumentista e os mesmos actores, para mim não faz diferença nenhuma de Descendentes ou de A Culpa É das Estrelas. E a Jane é como qualquer outra personagem que já representei: entendo que todas as personagens são apenas faces diferentes de quem eu sou realmente. Portanto não tive de ir buscar sapatos nem figurinos para voltar a entrar na Jane, foi só ir à procura do que tenho dela dentro de mim.”
Shailene Woodley já tinha abordado a coisa ao de leve, ao dizer que não sabia ao certo o que a segunda série ia trazer e que houve muita coisa que mudou durante a filmagem. Acaba por esclarecer que, “mesmo que não tenha sido uma rodagem fácil”, nada disso teve a ver com conflitos de produção ou incertezas sobre o rumo a tomar numa história que vai para lá do fim do livro que lhe deu origem (e sabemos como isso resultou com a Guerra dos Tronos…) e mais com questões logísticas. “Por vezes tudo mudava porque apenas podíamos ter duas semanas com uma actriz e tínhamos de ajustar a rodagem a esse calendário.” Mas saímos do luxuoso hotel de Nova Iorque com a dúvida instalada. As respostas chegam hoje com os sete novos episódios de Big Little Lies – a ver se o fenómeno se repete.
O PÚBLICO viajou a convite da HBO Portugal