Dany Silva leva canções da sua (e da nossa) vida ao Tivoli
O mais recente disco de Dany Silva, Canções da Minha Vida, é apresentado ao vivo este sábado no Tivoli BBVA, em Lisboa, às 21h30. Convidados: Rui Veloso, Nancy Vieira, Luís Represas e Katia Guerreiro
O cantor e compositor cabo-verdiano Dany Silva sobe este sábado ao palco do Tivoli BBVA, em Lisboa, com o seu mais recente trabalho, Canções da Minha Vida. Depois de ter sido apresentado no início do ano no B.Leza, chega agora a uma sala de maiores dimensões. Com Dany Silva (voz e guitarra), estarão mais seis músicos: Nir Paris (bateria), Jair Pina (percussões), Moisés Ramos (teclados), Paló (guitarra), Ju, dos Tabanka Djaz (baixo) e Daniel Salomé (sax e clarinete). Além de quatro convidados: Rui Veloso, Nancy Vieira, Luís Represas e Katia Guerreiro. Às 21h30.
Este disco começou a ser pensado há quase uma década, depois da gravação de Caminho Longi (2010), diz Dany Silva ao PÚBLICO: “Pensei em juntar músicas, não só as que já gravei, como as de que gosto, que tiveram muita importância na minha vida profissional, mas também particular. É o caso do Namoro, do Viriato da Cruz, que eu conheci na voz de Sérgio Godinho (com música do Fausto), de Nha cancera ka tem medida, dos Tubarões, ou o Poema da farra, do Ruy Mingas, que eu já admirava há muitos anos. Eu ouvia os discos dele e acho que apanhei até uns trajeitos da forma como ele cantava. Por isso costumo dizer: ele ensinou-me a cantar e nem sabe!”
O disco, lançado em 2018, ano em que Dany Silva completou 40 anos de carreira, celebrou esse marco com 16 temas, todos cantados em duetos, dos antigos Branco, tinto e jeropiga (título do seu disco a solo de 1981) e Crioula de S. Bento até clássicos da música de Cabo Verde como Ó Bernard (popular), Tempe de Caniquinha (de Sérgio Frusoni) ou Lua ‘nha testemunha (B.Leza). Com Dany, gravaram Jorge Palma, Rui Veloso, Luís Represas, Tito Paris, Carlos do Carmo, Manif3estos, Katia Guerreiro, Manecas Costa, Paulo de Carvalho, Pepe Ordáz, Nancy Vieira, Micas Cabral (Tabanka Djaz), Olavo Bilac, Mirri Lobo, Phillip Hamilton e Don Kikas.
Santarém, Lisboa, Guiné
Nascido em 4 de Junho de 1946 na Cidade da Praia, Dany Silva iniciou-se cedo no violão, ao lado do seu pai. Ainda jovem, mudou-se para Portugal em 1961. “Vim ainda miúdo, para estudar na Escola de Regentes Agrícolas de Santarém. Fiz os 15 anos em Julho e vim em Setembro. O que me trouxe a Portugal foram os estudos. Fiquei interno e ali comecei a minha primeira experiência de música com banda. Porque em Cabo Verde a única experiência que eu tinha era de ver o meu pai (que é da Ilha da Boavista) e os amigos a tocarem em casa.” Mas teve também experiência de canto. “Foi na Igreja Evangélica Nazarena, na Cidade da Praia, que tinha nessa altura missionários ingleses e americanos, que falavam bem português e tinham noções de música. Foi lá que eu comecei no canto, nos coros da juventude.” Mas em Santarém começou por tocar bateria. “Como não tínhamos instrumentos, a bateria era nas carteiras da sala de estudos. Na altura, a moda era os Shadows, três guitarras e uma bateria. Havia um que tinha um baixo, que era o Marcelino e para amplificador ligávamo-nos a um rádio grande, um Telefunken.”
E assim nasceram Os Charruas, na escola onde esteve sete anos e onde acabou por se formar como engenheiro técnico agrário, profissão que não viria a exercer. Veio para Lisboa, para fazer o serviço militar, mas como o Quinteto Académico andava à procura de um baixista (e ele n’Os Charruas já passara da bateria para o baixo: “O baixista acabou o curso, foi-se embora, e como ninguém tinha noção de viola baixo, fiquei eu.”), ele foi às audições e ficou. Começaria o serviço militar só em Janeiro de 1970, na Guiné Bissau. “Era, das ex-colónias, aquela onde estava pior a guerra, mas tive muita sorte. Ou um dom divino. Estive numa zona não muito ‘quente’.”
No regresso, em Janeiro de 1973, quis fazer o estágio como regente agrícola. “Mas só me davam um subsídio de 600 escudos por mês e eu como oficial do exército ganhava 7500 escudos. Como já tinha um filho, e na altura me convidaram para ir tocar para uma boîte qualquer a ganhar 250 escudos por dia, aceitei. Pensei: enquanto não arranjo o estágio, vou tocando.” Fez o estágio mais tarde, quando recebeu uma carta da escola a dizer que se não o fizesse perdia o direito ao curso, mas a tocar ao mesmo tempo. “Conheci na boîte um veterinário, retornado de Moçambique, que estava a fazer uma experiência com cabras leiteiras importadas da Holanda. Em conversa com ele, acabei por fazer o estágio lá, três vezes por semana. Depois à noite ia tocar. Era cansativo, saiu-me do pelo, mas até acabei com uma média geral de 15 valores. Só que nunca exerci.”
Morna e rhythm and blues
A música é que não o largou. “Lembro-me que o primeiro tema que eu fiz foi uma morna, Incerteza, sobre a solidão da tropa, longe da mulher e do filho.” Nunca a gravou, admite que talvez um dia o faça. Mas essa morna foi gravada por outro músico cabo-verdiano, Vaiss. Depois dessa primeira composição, Dany Silva sentiu necessidade de evoluir e ingressou na Academia dos Amadores de Música, “para aprender a escrever e ler [música] e a tocar piano, por uma questão harmónica. Agora soletro, porque é daquelas coisas que precisa de prática.”
No período pós-25 de Abril, a crise nos clubes e discotecas (que começaram a despedir os músicos residentes e a substitui-los por DJs) levou-o a tocar no estrangeiro. “O grupo que me convidou, The Four Kings, todos portugueses, estavam lá fora a tocar na Bélgica, na Suíça, em café-concertos, cabarés, boîtes. O baixista já estava cansado de andar aqui e ali e lá fui eu.” E assim esteve três anos, de 1975 a 1978: Bélgica, Suíça, Holanda, França. Até que voltou.
E gravou um primeiro disco em 1979, “para uma editora que tinha o Bana, a Monte Cara. Era um single, ainda com rhythm and blues, com Feel good do lado A e uma balada, Everything is over, no lado B. Ainda esteve no top do Rock em Stock do Luís Filipe Barros.” E aqui começou o resto: o disco foi gravado no estúdio Musicorde, e o dono, que era técnico na Emissora Nacional, conhecia Júlio Isidro e falou-lhe em Dany Silva. “Gostou daquilo e disse: vou mostrar ao Júlio Isidro. E ele convidou-me para ir à Febre de Sábado de Manhã e ao Passeio dos Alegres.”
A ida à televisão deu-lhe um forte impulso. Ricardo Camacho, então na Valentim de Carvalho (e futuro Sétima Legião), ficou curioso com ele e com o disco e isso levou-o à Valentim. Para gravar primeiro um single, com uma banda que então formou, a Bandássanhá, com Branco velho, tinto e jeropiga e Até que fura (1981). No ano seguinte gravaria mais dois discos, um single com Já estou farto e Não há-de ser nada e um maxi-single com Crioula de S. Bento. Só depois destes, e do êxito que obtiveram, é que teve “luz verde” para o primeiro LP: Lua Vagabunda (1986).
Vieram depois Sodadi Funaná (1991), Crioulas de S. Bento (colectânea, 1994), Tradiçon (1999) e Caminho Longi (2010). Nesses anos, a par do seu trabalho em grupos ou a solo, trabalhou ou colaborou com músicos como Rui Veloso, Carlos do Carmo, Fausto Bordalo Dias, Sérgio Godinho, Sara Tavares, Teté Alhinho, Mafalda Veiga ou Zé Carrapa, entre outros. O disco mais recente, Canções da Minha Vida (2018) celebra o caminho percorrido. E que vai continuar.